Automatização da notícia: o que os robôs fazem melhor

Automatização jornalística amplia eficiência, mas humanização e análises profundas continuam indispensáveis.

Vinícius Sgarbe
5 min read

Em 2009, sob o título “Eweb: jornalismo digital padronizado“, quatro estudantes de comunicação social da PUCPR (eu era um deles) fizeram uma série de vídeos para a internet, como projeto de conclusão de curso.

Na produção, a técnica de cinema é uma tragédia universitária com requintes de cópia pirata do 3D Max instalada em um computador de leitura.

É preciso menos de um minuto do primeiro vídeo para que “foco no usuário” apareça em destaque. À época de telefones BlackBerry serem a única rede criptografada, e de jornalistas e publicitários colonizarem no Twitter, chegar a tal conclusão pelo suporte de uma graduação em comunicação é no mínimo muito bom.

Hoje, o marketing digital e o modelo de plataformas de negócios sugerem que jornalistas continuem a fazer o que sempre fizeram eticamente e com inteligência.

Eu não vejo as pessoas procurando a internet para análises mais profundas, para algo que as faça refletir. O texto na internet vai saciar para aquela informação que atualize e que possa ser passada adiante.

Michelle Thomé, em entrevista ao Eweb, em 2009.

Michelle Thomé previa, com palavras próprias, os primeiros ensaios da pós-verdade e da política quântica. Ambas são, bem grosseiramente, quando opiniões e fatos têm o mesmo peso. É o “importa que eu me expresse”.

Lead americano

Mas algo tinha ficado de igual. O jornalista Luiz Oliveira cuidava da parte digital do jornal Gazeta do Povo, e, para ele, o texto na internet mantinha o formato criado pelos americanos.

O lead, amplamente apreciado pelas características de encadeamento das informações e otimização do tempo de leitura, responde às perguntas básicas:

o quê,
quem,
como,
quando,
onde, e
por quê
(como uma ou outra variação).

No ano seguinte à publicação de Eweb, Sharon Jeanine Abdalla pesquisou para a Universidade Federal do Paraná “Lead e pirâmide invertida: a influência do modelo americano sobre o jornalismo paranaense“. Ela entrevistou o jornalista Aroldo Murá G. Haygert.

Não adianta ter lead e essas técnicas direitinhas se o jornal for uma porcaria. (…) O jornal hierarquizava os títulos, eles tinham número de batidas, o que era muito difícil, na época. Quando você trabalha com tipografia é complicado, com o computador, hoje, é mais fácil fazer isso.

Jornalista Aroldo Murá G. Haygert.

Robôs podem escrever

Há mais de dez anos, Eweb discutia a tendência de automação do jornalismo, a partir do lead. Escritos e aprimorados os parâmetros, dados de realidade poderiam ser atualizados automaticamente, quer por motores de busca, quer por APIs (que são um tipo de conexão entre bancos de dados).

Um exemplo. A polícia rodoviária forneceria em tempo real o número de acidentes, multas, prisões no trânsito, etc. Os sites de notícias reproduziriam, por painéis temáticos, matérias, notificações, o que fosse, conteúdo que dispensa o trabalho intelectual. Robôs escreveriam:

“Duas pessoas foram presas por digirir sem carteira de habilitação, durante feriadão”;

“Fila na BR-277 tem fila de 2 km no sentido litoral, a partir do Jardim Botânico”;

“Emergência: neblina na entrada da Serra do Mar reduz visibilidade a 5 m”;

Fica para jornalistas

O repórter dispensado do link à beira da BR teria tempo para propor o que as máquinas não fariam de maneira inédita, como reportar sobre as consequências transgeracionais de mortes violentas. As famílias repetem o padrão de morrer na estrada?

Ou coisas rotineiras.

Quanto o governo investe em campanhas educativas?
Quanto tempo duram?
Como é medido o alcance?
Quais pesquisas são utilizadas para a criação?
O contribuinte pisa fundo por pagar pedágio?
Quem é multado por alta velocidade gosta de dirigir?
Quando as telefônicas vão instalar internet até a praia?

Copiados por franceses 😏

A trilha sonora utilizada em Eweb é do álbum “Deep Cuts“, lançado em 2003, dos irmãos suecos de “The Knife“. Em 2020, a televisão estatal francesa Franceinfo utilizou uma das músicas desse álbum para a chamada de um programa.

IA e objetivos globais

Leia insights sobre a interação de humanos com modelos de linguagem de IA, e sobre os ODS no Brasil. Lab Educação 2050 Ltda, que mantém este site, é signatária do Pacto Global das Nações Unidas.

Automação e evolução jornalística

Robôs assumem tarefas simples, liberando repórteres para a investigação mais profunda.

ODS 16: transparência e dados

A integração de informações em tempo real fortalece a confiança e apoia o desenvolvimento coletivo.

“AI is not replacing lawyers—it's empowering them. By automating the mundane, enhancing the complex, and democratizing access, AI is paving the way for a legal system that’s faster, fairer, and more future-ready.”

Micheal Sterling
CEO - Founder @ Echo

Improving Access to Justice

The integration of AI into the legal industry is still in its early stages, but the potential is immense. As AI technology continues to evolve. We can expect even more advanced applications, such as:

Law Solutions

Accessible to individuals and small businesses.

Chatbots

Bridging gap by providing affordable solutions.

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Gestores mais velhos em restaurantes são mais avessos ao risco, aponta estudo

Pesquisa da UFSC revela que experiência prolongada influencia gestores a optarem por medidas conservadoras.

Tempo previsto
23/4/2025

Um estudo recente publicado na Revista Turismo, Visão e Ação (RTVA) revelou que gestores mais velhos e com maior tempo de serviço em restaurantes tendem a ser mais avessos ao risco em suas decisões corporativas. A pesquisa, conduzida por pesquisadores da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), analisou dados de mais de 2 mil restaurantes na Europa entre 2014 e 2016.

A pesquisa, intitulada "Influência das Características da Equipe de Gestão sobre a Tomada de Decisão de Risco: Evidências do Ramo de Restaurantes", utilizou a base de dados Amadeus e aplicou o método dos mínimos quadrados para analisar a relação entre as características dos gestores – idade, tempo de serviço, gênero e tamanho da equipe – e o nível de alavancagem financeira das empresas, usado como indicador de tomada de risco.

Os resultados mostraram uma correlação negativa significativa entre a idade e o tempo de serviço dos gestores e a propensão ao risco. Gestores mais velhos e aqueles que ocupavam o mesmo cargo há mais tempo demonstraram preferência por decisões mais conservadoras, optando por manter o status quo em vez de adotar estratégias inovadoras ou arriscadas.

Contrariando algumas expectativas, o estudo não encontrou relação significativa entre o tamanho da equipe de gestão ou a participação feminina e a tomada de risco. Embora pesquisas anteriores tenham sugerido uma possível influência desses fatores, os dados analisados não confirmaram essa hipótese no contexto específico da indústria de restaurantes.

Os autores sugerem que a aversão ao risco demonstrada por gestores mais experientes pode estar relacionada à priorização da estabilidade e da reputação construída ao longo da carreira. A familiaridade com o setor e a preocupação em preservar os ganhos obtidos podem levá-los a evitar decisões que representem potenciais ameaças ao negócio.

Implicações para o setor

As descobertas do estudo têm implicações importantes para a gestão de restaurantes. A pesquisa sugere que a composição da equipe gestora pode influenciar diretamente a estratégia e o desempenho das empresas. Restaurantes com gestores mais jovens podem estar mais dispostos a inovar e assumir riscos, enquanto aqueles liderados por gestores mais experientes podem priorizar a estabilidade e a segurança financeira.

Próximos passos

Os pesquisadores destacam a necessidade de estudos adicionais para aprofundar a compreensão da relação entre as características dos gestores e a tomada de decisão em restaurantes. A investigação de fatores psicológicos, como a tolerância ao risco individual, e a análise de dados de um período mais amplo poderiam enriquecer a discussão e fornecer insights mais precisos para o setor.

Suítes no jornalismo se relacionam com queda da confiança

Ausência de atualizações e de contexto em notícias contínuas afeta credibilidade e confiança dos leitores.

Tempo previsto
11/4/2025

Uma suíte jornalística é a continuidade de uma notícia em novas matérias que atualizam as anteriores. Algo como "Duas pessoas ficaram feridas em um acidente"; depois, "Homens que ficaram feridos em acidente fazem cirurgia"; ainda, "Homens que se feriram em acidente recebem alta"; e, ainda, "Empresa responsável por acidente com feridos é multada". Todas essas manchetes fantasiosas têm a ver com um mesmo fato originário.

Não é todo tipo de notícia que merece uma continuidade. Alguns acontecimentos e realizações têm fôlego para uma única aparição. Seja como for, para estar uma ou várias vezes no jornal, a "coisa" tem de ser verdadeiramente uma notícia, o que, basicamente, significa que não é publicidade ou propaganda – mas isso é assunto para outra oportunidade.

Em termos de formato, uma suíte não é nada diferente de uma notícia nova. Até porque só se tem uma continuação quando um novo fato é revelado. Mas é no estilo, pelo que notei, que a marmita das suítes azedou – no sentido de por que perderam o fôlego nos últimos anos.

Vamos tomar por exemplo uma investigação policial. O jornalismo de boa e de má qualidade têm interesse em pautas criminais. Porém, nos dois tipos de qualidade fica um sabor de vício, quem sabe originário do prazer de se "furar" (quando um jornalista é o primeiro em noticiar algo). É uma pressa que mais atrapalha que ajuda: não raro, são apresentadas versões que colaboram com uma história que se quer contar, que pode não ter nada a ver com o que aconteceu de verdade.

Contar toda a história

No caso de Homem armado ameaça jovem negro em SP, e policial se recusa a agir por estar 'de folga'; veja vídeo, por exemplo. É uma história que rapidamente conquistou a atenção dos jornalistas e do público, porque um vídeo comprova não somente a omissão de uma policial como também a agressão dela contra um jovem. Aqui, não está em discussão se a policial acertou ou errou. Ao mesmo tempo, faltou, pela ausência de suítes, a ampliação do contexto do vídeo de três minutos.

Uma história contada por sua característica intrigante pode render minutos de audiência, e um aumento de visitantes no site. Porém, sem continuidade, é um tiro no pé. Em 2023, o Digital News Report do Reuters Institute identificou que a confiança dos brasileiros no jornalismo é de 43%, uma diminuição de 19 pontos percentuais desde 2015. Estatisticamente, a tendência de queda pode marcar 41% em 2024. Nesse cenário, todos os recursos de inteligência e de integridade são bem-vindos para melhorar esses números.

As suítes são uma oportunidade para garantir ao público que as escolhas de pauta representam, ainda que contramajoritariamente, o compromisso do veículo com uma história contada do começo ao fim, com todas as nuances. Para isso, a linha editorial como um todo, e mais ainda os repórteres e editores, têm de encarar a atividade investigativa com o desprendimento de contar as coisas como elas são, e não como deveriam ser.