Em meio à discussão sobre “liberdade de expressão”, e na presença de parentes que acreditam que regrar a internet no Brasil tornará o país comunista (seja lá o que isso signifique para eles, a essa altura), penso que, com ou sem legislação, “o calar é ouro”. Básico da sabedoria.
Minha ideia é original, porque escrevi sobre ela em novembro de 2021, sem a atual influência de Byung-Chul Han sobre mim. O fato, logo, inconteste, é que estamos submetidos a um desaforo informacional. Han avança sobre Foucault, argumenta que passamos da bio para a psicopolítica.
À época das linhas de produção, o indivíduo era submetido a uma organização social que o impulsionava, por meio da “ortopedia” biopolítica, a acordar e dormir, comer e gozar, fazer todo o necessário para que o corpo cumprisse o turno. Agora, a produção é imaterial.
Estamos acostumados com, “naturalizamos”, o papel de empreendedores de nós mesmos. Já atualizou o LinkedIn? E o Lattes? Falta-nos a “paz para ler um livro” — célebre enunciado de um artista sobre o quantum de angústia. Quem sabe realmente descansar em 2023?
Se a cultura nos trouxe o benefício do instantâneo, as telechamadas, por exemplo, ao mesmo tempo nos perguntamos se haveria a necessidade de telechamadas se as pessoas que amamos estivessem próximas, se houve realmente qualquer benefício, de certeza houve e há um mal-estar.
Seremos minimamente civilizados para reconhecer que a internet nos causa sentimentos diametralmente opostos à felicidade? Se perdemos a habilidade de encontrar razões comuns entre pessoas e grupos, fracassamos infamemente. As redes, por nossa máxima culpa, são locais sinistros.
As plataformas têm quanto a ver com isso? Como responsabilizar os produtores que se descobriram talentosos na conquista de públicos, e em fazer renda com conteúdo? É admirável e humilhante que influencers tenham dado a volta no jornalismo. Mas essa imprudência está custando caro.
Não acho que seja necessário insistir que o assunto é gravíssimo, urgente, e relevante, porque estou persuadido de que estamos no mesmo barco. O que pode nos diferenciar é a reação ao buraco no casco: uns constroem botes (sou dessa linhagem), outros esperam por um milagre.
O Projeto de Lei mencionado no primeiro parágrafo pode ser lido na íntegra.
Assista à reportagem do Fantástico "Desafios perversos: como o aplicativo Discord virou ferramenta para envolver adolescentes em um submundo de violência extrema".
HAN, B. C. Psicopolítica. 7. ed. Editora Âyiné: Belo Horizonte, 2022.
FREUD, S. O futuro de uma ilusão (1927). In Cultura, sociedade, religião: O mal-estar na cultura e outros escritos. Tradução: Maria Rita Salzano Moraes. Belo Horizonte: Autêntica, 2020.