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Opinião

Ilusão e mentira são origem de nossa apatia com o genocídio

Indiferença diante do sofrimento humano decorre de mentiras históricas e ilusões sobre o alcance de nossa empatia.

Tempo previsto
11/4/2025

Este artigo não é exatamente esperançoso, se lido às pressas. Ele tende a fazer mais sentido quando, pela conversa difícil, conquistamos alguma liberdade para pensar e agir sobre as guerras sem a interferência dos exércitos. Afinal, não há nada que os que promovem a guerra possam fazer pela paz.

Lembro de minhas primeiras aulas sobre Segunda Guerra. Bem, como esquecê-las. À época, achava nem um pouco atraente saber em que anos ela tinha começado e terminado. Considero que as datas faziam pouco sentido para mim devido minha inexperiência de relacionar eventos. Além do mais, minha pouca idade não diferenciava o que cabe em um, dez, ou cem anos.

Em linhas gerais, e para efeito de prova, a Segunda tinha vindo depois da Primeira. E se chamava mundial porque aqueles que a chamaram assim consideravam que o mundo inteiro se resumia a eles. Conhecimento de Ensino Fundamental que vale para a atualidade.

Abre parênteses. Quem passou pelos anos noventa sabe que, em termos de IML, gente atropelada, esfaqueada, cadáveres em putrefação, a televisão nos abasteceu abundantemente com imagens violentas. Na cidade onde eu cresci, uma mulher afogou os dois filhos em um poço, e depois se jogou também. No programa do almoço, assisti aos corpinhos que boiavam. Outro caso foi o da filha que, com a ajuda da namorada, matou a mãe, e a vó. Sem contar o estupro, assassinato e roubo empreendidos contra uma idosa que morava sozinha na Rua XV.

No fim das contas, os que morriam e os que matavam tinham algum parentesco com alguém próximo. Eram, de todo modo, degenerados, não contavam exatamente como gente. Isso sem contar os casos nacionais, Chacina da Candelária, Daniella Perez, Índio Galdino. Fecha parênteses. Este é meu argumento: fica difícil impressionar uma criança brasileira.

Aqueles homicidas comuns, embora perigosíssimos, tinham praticado seus crimes de sorrate. Foram descobertos, e, depois, televisionados, presos, linchados, ou mortos pela polícia. Mas o que nos contavam sobre os campos de extermínio era totalmente diferente, e muitas vezes mais assustador. Tinha algo de errado em multidões assassinadas à luz do dia.

Jeito que ficou

O que sabemos sobre o genocídio de judeus está marcado em preto e branco em nossas memórias, tanto pelas fotos quanto pela brilhante obra cinematográfica A lista de Schindler (1993) dirigida por Steven Spilberg. Graças às novas tecnologias, parte dessas memórias podem nos tocar ainda mais profundamente. A partir da reunião de recursos digitais, eu mesmo colori uma foto de crianças sobreviventes de Auschwitz tirada por Alexander Vorontsov.

"Um grupo de crianças sobreviventes atrás de uma cerca de arame farpado no campo de concentração nazista de Auschwitz-Birkenau, no sul da Polônia, no dia da libertação do campo pelo Exército Vermelho, em 27 de janeiro de 1945" (Getty Images). Tradução nossa.

É difícil olhar para elas e dizer: “nós desprezamos suas famílias ao máximo, escolhemos quem seria escravizado e quem seria morto e incinerado em nossas quatro câmaras de gás com crematórios”. Porque foi exatamente o que, no papel de humanos, fizemos. Tomar a responsabilidade por aquela desgraça é uma dor para a toda a vida, e não acho que haja qualquer outro jeito de lidar com ela senão carregá-la, com vergonha e arrependimento, até o último dia.

Encarar a inumamidade não é, porém, o mesmo que estagnar para a lamúria. É exatamente o contrário. E, para andarmos o mínimo necessário, temos de nos desfazer de duas ilusões convenientes. A primeira é de que toda responsabilidade pode ser atribuída ao Führer. Sejamos, ainda que isso nos incomode em níveis quase insuportáveis, coerentes. Nenhum homem seria capaz de empreender sem ajuda o Terceiro Reich. Em 1935, o Partido Nazista promulgou as leis de discriminação racial, e o Sr. Bigode não estava sozinho – como se pode comprovar pela filmagem oficial.

"Judeus húngaros a caminho das câmaras de gás. Auschwitz-Birkenau, Polônia, maio de 1944" (Enciclopédia do Holocausto). Colorido por Vinícius Sgarbe.

A outra ilusão clássica é a de que o “mundo” da Segunda Guerra Mundial não impediu o genocídio simplesmente porque não sabia de nada. Ora. Ao pensar melhor, nem acho mais que se trate de uma ilusão – uma vez que nem toda ilusão é necessariamente um equívoco – , mas de uma mentira deslavada. Com a ilusão, conquistamos certo alívio psíquico, que frequentemente se converte em prazer orgulhoso: “eu jamais teria feito algo assim”. Com a mentira, mantivemos a ideia de que temos um poder que, em verdade, não temos.

Mentira

Desde a Guerra do Golfo, mais um ridículo dos anos noventa, conflitos militares internacionais passaram a ser também programas de televisão. Não se trata de uma figura de linguagem. Literalmente, as guerras são simultaneamente programas de televisão. É preciso ter pouca inteligência – às vezes nem essa eu alcanço – para compreender que as imagens que consumimos são realizações de uma pessoa. Alguém segura a câmera, escolhe quando apertar REC, quando parar, em que posição se verá o que ele vê, o que entra ou não no quadro. No caso de uma geração por inteligência artificial, alguém terá de escrever o prompt.

Desse jeito, o produto midiático da guerra integra o arsenal geral da guerra. Quem tem mais ou menos recursos para criar e propagar estórias tem, por consequência, mais ou menos poder bélico. É justo perguntar qual é o alcance de destruição de uma arma dessa estirpe. Desde a constituição espontânea de uma esfera pública, e sua progressiva e irreversível decadência, a opinião pública é utilizada para legitimar ou não as ações do Estado. Se convenço o Brasil de que sou “do bem” e que o outro é “do mal”, então os brasileiros tendem a pressionar seus governantes numa direção específica, cujo produto varia de apoio nas redes sociais digitais a proposições no Conselho de Segurança das Nações Unidas.

Contar a melhor estória, porém, não tem nada a ver com contar a história mais precisa. Esse critério de qualidade está restrito a cidadãos que não se comovem facilmente com os apelos das massas – gente que, em cada círculo social, pode ser contada nos dedos de uma mão.

A caminho dos finalmente. Então, se o mundo soubesse do aniquilamento de humanos na Segunda Guerra teria agido para proteger os judeus. Garanto que com uma mente limpa, e três ou quatro vídeos do apocalipse na Palestina, pode-se garantir com cem por cento de acerto que se trata de uma mentira.

Fraqueza

Nem mesmo os termos adequados para tratar os crimes de guerra na Palestina têm sido usados adequadamente, em diferentes parlamentos do mundo. A colunista do The Washigton Post Jennifer Rubin escreveu que “quanto mais perto se olha, mais Netanyahu se parece com Trump”, no pior sentido. O artigo afirma que “cerca de oitenta por cento dos israelenses culpam o primeiro-ministro Benjamin Netanyahu e seu governo de coalizão pela catástrofe do Hamas, de acordo com uma pesquisa do jornal hebraico Maariv”.

"Pelo menos mil crianças palestinianas foram mortas em Gaza desde que Israel lançou a sua campanha de bombardeamentos na região" (Fars News Agency, 17.out.23). Tradução nossa.

No Brasil, a deputada que nasceu para jumenta e jamais chegará a égua Carla Zambelli publicou a imagem de uma águia estadunidense e israelense sobre um rato palestino. Estou persuadido por mim mesmo a não esperar que esse projeto de pessoa seja capaz de compreender o tamanho da própria bestialidade.

Diante de listas nominais de milhares de civis mortos por Israel, a resposta do “mundo” é tão fraca, lânguida, frouxa. Quem sabe seja o momento desta consciência: somos incapazes de impedir a violência pelo mero conhecimento de que a violência existe. Estou avisando você agora: nas próximas horas, crianças palestinas vão ser brutalmente assassinadas, ou mutiladas, e as que sobreviverem terão visto suas famílias e amigos explodirem. Saber disso não muda absolutamente nada.

Há algumas horas, um menino palestino foi buscar uma bola, quando houve um bombardeio bem atrás dele. As costas de seu sobrinho foram feridas. Mas o sobrinho está melhor que Saleh al Qaraan, que teve a cabeça desfeita na explosão.

Acostumado a encontrar posts com animais no Instagram todos os dias, vi um gatinho malhado pular no colo de palestino, no qual repousava o corpo pálido de uma criança morta. O gatinho se aninhou, e fechou os olhos. Sem contar a mãe que, com o bebê morto embrulhado em pano branco, recusava-se a parar de beijá-lo. Ou ainda os incontáveis vídeos de crianças em ataques de pânico dentro de hospitais.

Na dimensão individual, meu trabalho ou o seu contra a guerra e nada parecem bastante. Não podemos contar, pelo menos não agora, que a prudência dos sábios consiga uma hora na agenda dos líderes do mundo. Mas defender os civis palestinos ou não, agora, em toda e qualquer oportunidade, diz sobre o que aprendemos sobre nossa maldade.

Fracos contra fim do mundo, poderosos fazem comércio de almas

Reflexão inquietante sobre a tragédia palestina, o papel da comunidade internacional e os limites morais da humanidade.

Tempo previsto
12/4/2025

Um tempo atrás, procurei pela Palestina no Google Maps, e a encontrei no meio do oceano. À época, concluí que o mundo tinha terminado, pelo menos um projeto de mundo, ao encontrar um povo que tanto me ama e é amado por mim afogado no ódio em que alguém em algum lugar o afogou.

Hoje, depois do assassinato de centenas (o número é impreciso, mas impressionante) de palestinos que estavam em um hospital, eu me dei conta de que o mundo terminou para eles, que o apocalipse, o fim dos tempos, chegou para aqueles humanos. Viram a vergonha, a fome, e morreram.

Imagine comigo. De repente, uma autoridade estrangeira ordena que você saia da sua casa. Ao fugir sem carregar nada, sua jornada é de sede e fome. Depois, veem-se escombros, poeira, amigos e família estirados no chão, uns decepados, outros sem sepultura. Então você também morre.

Se isso, que é verdadeiro, não torna também verdadeiro que chegamos ao fim do mundo, então o que viria a ser o fim do mundo? Desastres naturais, por piores que sejam, pelo menos são honrosos. Ninguém poderá culpar o vulcão. Genocídio com apoio de grupos religiosos é fim do mundo.

A postura da comunidade internacional é insuficiente. A humanidade está demasiadamente paralisada na reação às guerras, os poderosos não são verdadeiramente poderosos. Não passam de homens do mercado! E de um mercado de almas, descrito lá no Apocalipse de João.

Corte 'terrivelmente brasileira' dá fôlego à conversa política

Indicações ao STF reacendem debate público e exigem reflexão sobre religião e política na democracia brasileira.

Tempo previsto
11/4/2025

Quando ouvi, sob o governo do casal evangélico Bolsonaro e Michelle, sobre um ministro do Supremo Tribunal Federal “terrivelmente evangélico”, senti vergonha e medo. A vergonha se referia à prática religiosa utilitarista, pela qual grandes e pequenas teologias importantes são convertidas na abertura de mais uma sede única da última igreja mundial do bairro, ou em partido político.

Um dos resultados preliminares de minha última pesquisa em filosofia é de que os pentecostais brasileiros obtiveram "autorização" para participar do palco público, em sua forma “bancada da bíblia”, com a condição de que efetivamente não se integrem à cultura política senão no papel de base eleitoral.

Tal resultado se baseia no fato de que desde a Constituinte os discursos e textos patrocinados com o dinheiro do contribuinte brasileiro são utilizados para a promoção de pautas pouco ou nada expressivas, como a obstinação relacionada à liberdade sexual, e a pungente questão do fim do mundo.

O acordo com o poder político vigente é de que se pode pregar qualquer coisa no púlpito, a qualquer preço (seja verdadeiro ou mentiroso, realidade objetiva ou fantasia infantil, tanto faz), contanto que essa pregação favoreça a obtenção de votos.

Em 2023, muito tristemente, não se espera dos pentecostais com mandato ou empregados em gabinetes dessa estirpe que contribuam — no amplo, no geral — com a promoção de políticas públicas, e com a manutenção do diálogo. Menos ainda que nos surpreendam com qualquer exame de consciência que os faça refletir sobre o que fazem com o papel querido que a eles atribuímos. É impressionante que tenhamos tanto carinho pelos pentecostais enquanto nos desdenham.

Já o medo que senti era de que o “terrivelmente evangélico”, frase pela qual se explicitava uma postura arrogante e provocativa, viesse a piorar a qualidade do diálogo entre brasileiros, que naquela altura estava em níveis baixíssimos. Enquanto a vergonha tinha a ver com minha postura intelectual e pacifista (algo mais individual), o medo estava projetado no que se vive em termos de país. Como é esperado que o pior medo nos sobrevenha, as pontes comunicacionais entre os que ainda acreditam na vida em comunidade e os pentecostais estão escangalhadas.

Será preciso que os pentecostais, marcados por serem submetidos ao aprisionamento cultural, à escravidão da ignorância, e, por essas e outras razões, também submetidos a uma porção impressionante de violências de muitos tipos, deem um sinal de que estão dispostos a colaborar com um futuro equilibrado. Da nossa (minha) parte, a paciência se esgotou. Aliás, a paciência dos evangélicos com seus líderes se esgotou.

Enquanto isso, em termos de indicações, é importante lembrar das consequências daquele “terrivelmente evangélico”. Mais um ministro do STF foi nomeado por um presidente “satanizado” por fundamentalistas. É a nona indicação de Lula. Com as indicações e Dilma e Temer, são mais cinco. Isto é, há um colegiado terrivelmente brasileiro. Sem contar o ministro que está para chegar.

Democracia requer que eleitor esteja suscetível à tristeza do social

Psicanálise explica que envolvimento eleitoral depende da capacidade individual de lidar com o sofrimento coletivo.

Tempo previsto
11/4/2025

A palavra democracia aparece dia-sim-dia-sim no noticiário, e frequentemente vem junto ao dado de realidade de que se trata de algo problemático. Estamos de acordo com a visibilidade do assunto, bem como com o reforço de que “é o melhor modelo dentre todos os modelos políticos que, incluindo a democracia, são ruins”.

Quando pesquisamos sobre comunicação política no Brasil, estamos atentos à necessidade de criação de oportunidades para que os eleitores integrem o debate público, e que o topo dessa integração é o voto depositado na urna. Para que isso seja possível, é preciso, primeiro, que o Legislativo garanta um grau mínimo de confiança no processo democrático.

Mas investimento em dinheiro também é necessário. Isto é, a veiculação de campanhas estatais – desde as propagandas partidárias até os anúncios dos tribunais eleitorais – requerem pesquisa de ponta, produção midiática capaz de sensibilizar os brasileiros, e tudo isso custa uma boa grana. Mas os resultados aparecem. A taxa de abstenção no segundo turno da eleição para presidente de 2022 foi de 20,95%, o menor número em 16 anos.

Uma razão para não

Na psicanálise de Sigmund Freud, podemos encontrar uma razão aprofundada para o desinteresse pela política. Em O mal-estar na cultura (1930), o psicanalista de Viena escreve sobre os métodos pelos quais os seres humanos procuram evitar o sofrimento. Um deles é justamente abdicar das relações sociais. Essa decisão, porém, reduz drasticamente a quantidade de satisfação possível do indivíduo.

Em outras palavras, negar que o outro exista oferta, sim, algum grau de segurança contra a dor, ao mesmo tempo que os prazeres trazidos pelo outro, somente acessíveis quando reconhecemos que o outro é importante, ficam limitados.

A natureza é um risco para a vida humana – o aquecimento do planeta e a iminência do desaparecimento de algumas ilhas em Tonga dão prova disso. A ciência pode ajudar, nesse sentido. Nossos corpos, destinados à degeneração, também são causa de dificuldades. A ciência pode ajudar, nesse sentido. Mas nenhum desses sofrimentos, segundo Freud, é maior do que o causado por nosso contato com outras pessoas.

Ocorre que a prática da democracia exige o outro, requer deliberação. A ciência pode ajudar, nesse sentido.

Estudante é morta a tiros no Colégio Estadual Professora Helena Kolody, em Cambé (PR)

Tragédia em escola paranaense expõe terror cotidiano da violência armada e seus reflexos em ambientes escolares.

Tempo previsto
11/4/2025
Da estátua de areia,
nada restará,
depois da maré cheia.
—"Areia", Helena Kolody.

Na semana passada, fiz uma pequena pintura de Nossa Senhora, a partir de lápis de aquarela. Usei três cores que combinaram, azul do céu, verde da água, e um tom de pele parecido com o meu, um caboclo. Olhando bem, acho que ela está grávida, e isso surpreendeu a nós dois. Usei aquela mesma tela, o mesmo papel rijo de excelente qualidade, para escrever as instruções do curso que dei sobre reputação na internet. Aquela pintura e aquelas anotações de aula foram minhas maiores contribuições à comunicação nos últimos anos. Isto é, tratamos de uma surpresa plástica a gravidez de uma senhora virgem, e de uma surpresa da sabedoria que o pior dentre os colegas fale de reputação.

Estamos todos cansados do noticiário, senhoras e senhoras. Os números estão aí, para quem quiser ver. Particularmente, aderi aos que evitam saber do que alguém em algum lugar nos quer fazer saber. Todos nós de grande talento editorial e artístico preferimos agora que os pequenos furtos e os abandonos mais cruéis sejam tratados na família de cada um, porque nada temos a ver com isso. Estivemos, bons tempos, iludidos, diante uma sedutora literatura de inteligência e futuro. Mas nossos provérbios muito rapidamente se converteram em correr atrás do vento. Não tivemos tempo de saborear o harém de nossas gostosas, ou de comer e beber de nosso trabalho. Partimos violentamente para correr atrás do vento.

Fracassamos paulatina e miseravelmente. Não fomos vingados de nossos perpetradores, honramos gente que nos deseja matar, fomos vítimas de negociações suspiradas. Enfiam nossas bondades e misericórdias na bunda. Nada somos para nossos inimigos além de seus fodedores, garante o Olavão.

Não nos interessamos na quantidade de mortos na BR, não mais. Jamais se interessaram em nossas verdades sobre violência no trânsito. Queremos que as questões fiscais e que os roubos dos legisladores se mantenham como estão, feridas pútridas para quem os opera. O poder e o dinheiro derreteram gente tão linda, gente que convidaríamos para batizar nossos filhos. Poderíamos ter perdoado tudo, poderíamos ter superado este momento difícil juntos, mas agora mataram Helena Kolody.

'Estruturas digitais condescendentes'

A escritora Cassiana Pizaia registrou, sobre o assunto, nos seguintes termos:

"A escola Helena Kolodi, em Cambé, fica a duas quadras da casa onde eu cresci e morei até acabar a faculdade. Ver os alunos e professores descendo e subindo a rua era parte do cotidiano de uma vizinhança traquila.

Alguém entrar na escola armado, matar uma menina de 16 anos, ferir e ameaçar alunos é a ruptura inconcebível e inaceitável de décadas de normalidade, de tudo o que se acredita ser o espaço escolar.

Não é um caso isolado, consequência apenas de uma mente doentia. É barbárie replicada, estimulada por por práticas e discursos violentos, que precisa ser compreendida e combatida na origem e nas estruturas digitais condescendentes, que a alimentam e recompensam.

Minha solidariedade às famílias das vítimas e à comunidade da escola Helena Kolodi e de Cambé, obrigadas a vivenciar tamanho horror".

Dallagnol quer que o Brasil resolva um problema dele

Em discurso narcisista após cassação, Dallagnol expõe fragilidade e busca responsabilizar o país por seu revés.

Tempo previsto
11/4/2025

Acerta o noticiário de transmitir ao vivo o pronunciamento do ex-procurador e ex-deputado federal pelo Paraná, Deltan Dallagnol, nesta quarta-feira (17), mas acerta com a ressalva de que pode haver algo sádico em rede nacional. A decisão da perda de mandato saiu ontem, e ele se defendeu hoje. Como é de conhecimento geral, ele foi cassado pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE), o que divide opiniões de pessoas sérias. Há quem considere que foi um erro jurídico, e quem defenda a interpretação e o voto do ministro Benedito Gonçalves. Neste texto, essa discussão está superada.

Eu tinha acabado de chegar de um compromisso na universidade quando liguei a televisão e dei de cara com Dallagnol junto a um grupo no mínimo intrigante, explicando aos brasileiros que a maldade tinha vencido no Brasil porque ele perdeu na Justiça. Um narcisismo flagrante, uma megalomania, um fundamentalismo protestante, um pouco de cada coisa? Ou, ao contrário, a ausência de qualquer coisa?

Com muita franqueza, eu estava esperando por uma fala marcante, mas não imaginava quanto marcante ela realmente seria. É um vexame histórico para se usar nas aulas de psicanálise e de comunicação política. Se pode funcionar a ponto de devolver a ele um prestígio ridiculamente superfaturado? Pode. Especialmente do povo do meu estado posso esperar que o tornem prefeito da capital (mesmo sem qualquer experiência dele em governar, porém suficientemente branco e rancoroso).

Não tenho por hábito comemorar trapalhadas da vida pública. Fico com vergonha quando nossas autoridades são investigadas ou presas, ou qualquer coisa dessa categoria. Então, não há o que celebrar na cassação desse senhor, tanto quanto não há, pelo menos da minha parte, qualquer lamento. Talvez tenham esquecido de avisar a ele como as coisas funcionam na política. Ou teriam esquecido subitamente todos os políticos da maneira como Dallagnol a eles denominava e desprezava? O que que esse cara estava esperando? Será que foi com essa ingenuidade que ele chefiou a Lava Jato?

Do ponto de vista de alguns amigos que não somente apoiam Dallagnol como também tem pouco ou nenhum apreço pelo Partido dos Trabalhadores ou Lula, que em parte combatem veementemente esses dois últimos, a prática moral também se dá quando é preciso encarcerar (ou matar) um indivíduo perigoso. A contar pela fala do herói, hoje, é absolutamente moral afastá-lo da vida pública enquanto for incapaz de compreender que a política é uma experiência comunitária, e que o que importa é o que o outro pensa. Que é assim que se constrói.

Arrogar-se herói

O discurso desse homem não me ofende, mas me preocupa em termos civilizatórios. Mais uma vez um “irmão”, um igual, um “bostinha que nem nós”, esbraveja: “eu vou salvar vocês”. Meu senhor, eu e o pessoal que eu conheço não vos pedimos nada. O senhor se comparou a José do Egito (uma salva de palmas à novela da Record!), a Jesus. Sabe o que vos falta? Ler um pouco mais os Evangelhos. Tem alguma coisa que o senhor interpretou à Lava Jato no texto bíblico, se é que me entende.

Nas últimas semanas, tenho me inclinado às perspectivas psicológicas das escolhas de líderes. Em linhas gerais, aqueles que são eleitos para governar correm riscos enormes – o de serem assassinados, inclusive (m.q. facada do Bolsonaro). Tornar-se uma paixão da massa requer ofertar a essa massa proteção e assistência. Quando esses elementos se tornam escassos ou cessam, e aquela liderança não tem mais serventia (depois de juntar mais de 300 mil votos para um partido, por exemplo), então é linchado por quem o laureou. Nesse ponto, há uma conexão com Jesus mesmo, porque foi crucificado por quem o recebeu com ramos.

A mesma imprensa que noticiou Dallagnol como a salvação do país o expõe em um papel humilhante de criança chorante. “Mas isso só acontece comigo”, “por que não fazem isso com o Gilmar?”, “até o Beto Richa tem mandato”. Então atravessa para uma criticidade raivosa pela qual ele poderá livrar a todo o Brasil de um mal temido por ele.

Se tomamos por verdade que os indivíduos são responsáveis por seus caminhos, podemos nos perguntar, então, a pergunta da criança: “por que Beto Richa tem mandato e Dallagnol é cassado?”.

Mal-estar causado pela internet pode superar (e supera) os benefícios

Sobrecarga informacional e impulsos digitais agravam sofrimento psíquico e prejudicam relações humanas reais.

Tempo previsto
11/4/2025

Em meio à discussão sobre “liberdade de expressão”, e na presença de parentes que acreditam que regrar a internet no Brasil tornará o país comunista (seja lá o que isso signifique para eles, a essa altura), penso que, com ou sem legislação, “o calar é ouro”. Básico da sabedoria.

Minha ideia é original, porque escrevi sobre ela em novembro de 2021, sem a atual influência de Byung-Chul Han sobre mim. O fato, logo, inconteste, é que estamos submetidos a um desaforo informacional. Han avança sobre Foucault, argumenta que passamos da bio para a psicopolítica.

À época das linhas de produção, o indivíduo era submetido a uma organização social que o impulsionava, por meio da “ortopedia” biopolítica, a acordar e dormir, comer e gozar, fazer todo o necessário para que o corpo cumprisse o turno. Agora, a produção é imaterial.

Estamos acostumados com, “naturalizamos”, o papel de empreendedores de nós mesmos. Já atualizou o LinkedIn? E o Lattes? Falta-nos a “paz para ler um livro” — célebre enunciado de um artista sobre o quantum de angústia. Quem sabe realmente descansar em 2023?

Se a cultura nos trouxe o benefício do instantâneo, as telechamadas, por exemplo, ao mesmo tempo nos perguntamos se haveria a necessidade de telechamadas se as pessoas que amamos estivessem próximas, se houve realmente qualquer benefício, de certeza houve e há um mal-estar.

Seremos minimamente civilizados para reconhecer que a internet nos causa sentimentos diametralmente opostos à felicidade? Se perdemos a habilidade de encontrar razões comuns entre pessoas e grupos, fracassamos infamemente. As redes, por nossa máxima culpa, são locais sinistros.

As plataformas têm quanto a ver com isso? Como responsabilizar os produtores que se descobriram talentosos na conquista de públicos, e em fazer renda com conteúdo? É admirável e humilhante que influencers tenham dado a volta no jornalismo. Mas essa imprudência está custando caro.

Não acho que seja necessário insistir que o assunto é gravíssimo, urgente, e relevante, porque estou persuadido de que estamos no mesmo barco. O que pode nos diferenciar é a reação ao buraco no casco: uns constroem botes (sou dessa linhagem), outros esperam por um milagre.

O Projeto de Lei mencionado no primeiro parágrafo pode ser lido na íntegra.

Assista à reportagem do Fantástico "Desafios perversos: como o aplicativo Discord virou ferramenta para envolver adolescentes em um submundo de violência extrema".

'Racismo' em Ponta Grossa é sintoma de cidade adoecida

Discussão sobre ato preconceituoso na UEPG revela dificuldades administrativas e tensões sociais em Ponta Grossa.

Tempo previsto
14/4/2025

Os dez "racistas" da Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG, PR) inauguram um tipo de notícia para a qual tenho de abrir mão de minhas restrições ao uso das aspas, para poder comentar em paz. Isto é, o festival do "supostamente" começou com tudo no jornalismo da semana.

Gravei um vídeo sobre dois incômodos maiores em relação à notícia do assunto, não exatamente sobre o assunto em si. Os universitários de jornalismo basicamente assistiam a uma palestra desagradável para eles, e abusaram da confiança do grupo ao postar péssimos stickers.

Se estavam sob a bandeira conservadora da cidade, não sabemos. Em 2017, um vereador ameaçou prender uma drag queen com show marcado lá. Pode ser que a água da cidade esteja contaminada com ignorância, e um tiquinho assim do que chamo "orgulho agro ferido".

Acho possível e provável, porém, que se trate de um  sarcasmo imaturo, uma vez que ao optarem por estudar jornalismo possam ter qualquer apreço por letras. Posso argumentar nos níveis pessoal e psicanalítico (de Wilfred Bion) sobre o humor corroer preconceitos, quem sabe depois.

A principal emissora de TV do estado noticiou o assunto, e se emocionou com a atitude dela mesma ter assinado uma nota conjunta com o Sindicato, contra os estudantes. No papel de espectador, agradeço mas não pedi nada. Eu prefiro um âncora analítico, com os pés no chão.

Quanto à "denúncia" de racismo na UEPG, obrigo-me a perguntar : foi a Ouvidoria que recebeu os prints? Se o processo contra os estudantes é administrativo, qual foi o percurso administrativo da denúncia? Ou tratamos de denúncia sediada em uma moralidade superior aos regimentos?

Outro aspecto é o legal. E a situação fica um pouco pior. Sarney, Cardoso e Lula assinaram leis sobre o assunto. Em linhas gerais, os dez "racistas" de Ponta Grossa precisam i. ter ofendido um grupo étnico, uma raça, cor, ou religião; e ii. ter a intenção de ofender. Qual foi o objetivo da conduta? Qual foi o dolo?

Ponta Grossa está doente

Somados a outros sete indivíduos de agronomia da mesma universidade, são 17 ponta-grossenses com destaque no jornal por serem a boca, o braço, a perna do caipirismo paranaense. Reitero meu argumento de que o paranaense desse estirpe não é fascista, é pior, é caipira.

O caipira que deveria se ofender nestes termos não é o da "Tristeza do Jeca" (filme de Mazzaropi, lançado em 1961). Aqueles 17 não são dignos de carregar as malas de um homem da roça. O caipira que me refiro precisa de Bia de Luna: "A mais bela burrice, e a ignorância por opção".

Em uma psicanálise social, em uma análise transacional organizacional, em termos religiosos da fé cristã, a partir desses papéis que posso ocupar e ocupo, entendo que Ponta Grossa está doente.

Em 2050, Lab quis viver também fora do jornalismo

Laboratório inicialmente jornalístico expande atuação para apoiar empresas em mudanças organizacionais e pessoais.

Tempo previsto
11/4/2025

Quando pensamos no nome “Lab”, inicialmente ele tinha a ver com jornalismo experimental. Mas não um tipo experimental descompromissado com os padrões de mercado. A ideia era fazer conversar estas duas coisas: as linhagens intelectuais do jornalismo, e as práticas nas emissoras. Ainda pensamos nisso, porque somos crentes em formas de fazer, como jornalismo de precisão, jornalismo de soluções, etc. Mas o Lab pediu para ele mesmo uma mudança irreversível.

Passamos a perceber que as transformações que nos são tão caras em termos pessoais, sempre na direção da felicidade, eram também possíveis em projetos de vida pessoais, marcas e empresas.

Que tipo de experimentos são possíveis em um laboratório tão amplo? Bem, essa conversa poderá levar uma vida. Então, vamos ao nosso mais ortodoxo teste laboratorial, que é historiográfico. Quem nos trouxe até este momento?

A começar pelos pais dos fundadores, depois pelos fundadores, pelos herdeiros, pelas pessoas que passaram pela firma — o que a história dessas pessoas tem a ver com o que se vive atualmente, ou ainda que relação tem com os desafios a serem superados? Uma empresa é estritamente as pessoas que nela trabalham.

Nesse contexto, surgem recorrentemente questões como fluxos de liderança adoecidos, crenças imprecisas, pequenas e grandes autoridades com o papel confundido. O preço da transformação é altíssimo. Isto é, eventualmente, com novas músicas batendo o ritmo, pode ser que alguém se atrapalhe na coreografia organizacional.

A transformação é o caminho natural da vida, além de algo lucrativo. Impedi-la ou retarda-la não tem efeito duradouro. É melhor que estejamos minimamente preparados.

Conheça um pouco mais sobre nossas soluções em Análise Transacional Organizacional. Agende uma reunião.

Caio Dib: 'o que é uma escola inovadora para você?'

Inovação escolar vai além da tecnologia: método japonês Soka aposta em cidadania global e relações humanizadas.

Tempo previsto
11/4/2025

O que é uma escola inovadora para você? Ainda existe um imaginário consolidado de um espaço cheio de tecnologia e, muitas vezes, com o uso de cores expressivas e móveis diferentes das tradicionais carteiras escolares. Mas acreditamos que a inovação está muito além desta visão.

Inovar é resolver problemas com criatividade e usando os recursos disponíveis, sejam eles tecnológicos e "modernos" ou não. Inclusive, iniciativas inovadoras na educação acontecem muito antes da ascensão tecnológica. Um dos exemplos mais interessantes sobre isso é o educador japonês Tsunessaburo Makiguti (na foto). No início de 1900, ele começou a aplicar conceitos com educação para a felicidade, educação para uma vida criativa e a importância de desenvolver cidadania global com suas turmas. “Em vez de incentivar os alunos a apropriarem-se dos tesouros intelectuais descoberto pelos outros, devemos capacitá-los a realizar por conta própria o processo de descoberta e da invenção”, defendeu o educador.

Essas ideias disruptivas para a época fizeram com que ele fosse punido e precisasse deixar seu cargo de professor. Mas isso não fez com que ele desistisse do jeito que acreditava que a educação deveria ser. Anos depois, criou a organização Soka Gakkai, que hoje tem colégios espalhados em várias partes do mundo.

Atualmente, os colégios Soka usam sim tecnologia e aproveitam de recursos como carteiras escolares com rodinhas para alterar a organização da sala a partir do objetivo de cada aula. No entanto, a tecnologia ainda não é a estrela principal. Em todas as idades, os estudantes têm disciplinas e momentos específicos para desenvolverem outras competências:

Ensino Fundamental — Anos Iniciais

A disciplina “Hábitos da Mente” desenvolve a autoestima e a capacidade de pensamento positivo dos estudantes.

Ensino Fundamental — Anos Finais

Alunos estudam com a orientação de educadores e apoio de colegas no momento “Study Skills”.

Ensino Médio integral

Integra diversas disciplinas. Política Global, Gestão de Negócios, Sistemas Ambientais e Sociedades, Teoria do Conhecimento e Proficiência Internacional da Língua e Literatura Portuguesa estão na lista. Todas são ministradas em inglês. A educação Soka tem foco principal na formação de um cidadão global e na disseminação da cultura de paz.

O que a escola Soka nos ensina é que precisamos ir além da tecnologia para inovar. Estar baseado em relações humanizadas pode ser mais revolucionário para um mundo com mais cidadãos que transformam suas realidades.

Recomendamos assim: cuidado com os bajuladores

Caso Beto Richa ilustra perigos da bajulação na política e alerta sobre consequências do isolamento no poder.

Tempo previsto
11/4/2025

Em janeiro de 2009, poucas semanas depois da reeleição de Beto Richa à prefeitura de Curitiba (77,2%), uma mulher caiu de um ônibus superlotado e morreu na hora. O jeito que a reportagem soube do assunto é dos piores. Um ouvinte ligou para a produção da rádio e disse “uma mulher morreu na BR”. Ao que o jornalista perguntou “o senhor tem certeza de que ela está morta?”. “A menos que possa viver sem a cabeça, está”, treplicou.

No noticiário, o assunto foi uma comoção. Tratava-se de uma trabalhadora dos serviços gerais, de uma linha que dava sinais de estafa há bastante tempo, porque foi violento demais até para os padrões da capital. Eu mesmo estive no sepultamento. Foi em um cemitério simples da Região Metropolitana, com as colegas da morta uniformizadas, tal qual tinham ido direto da copa para o enterro.

Quando o assunto chegou à ancoragem de José Wille, na CBN Curitiba, o comentarista ídolo Luiz Geraldo Mazza saiu com algo mais ou menos assim: “a morte dessa mulher é resultado dos 77%”. Não muito longe dali, da felicidade peessedebista de uma votação recorde, de uma aprovação considerada gloriosa, Richa foi ao governo do Paraná e, para além dali, para o banco de trás de um camburão.

Até hoje não me apresentaram razões plausíveis para a prisão de Richa (escrevi para O Globo sobre o assunto, por mais de uma vez, o que me dá a dimensão de imprensa nacional sobre o assunto). Seja lá o que tenha feito, ofendeu a alguém que não se ofende. Uma jornalista que assessorou Richa à época da prefeitura explicou assim: “as pessoas em volta de Richa o encastelaram. Ele ficou sem referências, e caiu fácil no que queriam dele”. Faz sentido, porque ouvi algo similar de Euclides Scalco. Aliás, naquela manhã Scalco estava tão mal, mas tão mal, que Hélio Pugliesi disse a ele: “não fique tão triste, meu amigo”.

Penso que o remédio amargo seja evitar os bajuladores.

Sermos inteligentes não nos proíbe de rezar um pouco

Reflexão aborda relação equilibrada entre fé e razão, propondo espiritualidade saudável além das instituições.

Tempo previsto
11/4/2025

A gente conversava na aula de tópicos de filosofia sobre o cientista que sai do laboratório e passa na Missa antes de voltar para casa. E penso no jeito respeitoso que tratamos desse assunto. Freud foi também respeitoso o bastante para escrever sobre religião.

Embora nosso querido psicanalista de Viena tenha olhado para a relação da religião com o homem como uma “neurose universal”, são inúmeros, para mim, os indícios de que não tenha colocado as mãos no Espírito mais do que podia ou deveria.

Ser inteligente, racionalizar o que tem serventia de ser racionalizado, não proíbe ou contradiz a vivência da fé. Até porque, e sabemos todos nós, Deus está por aqui e por aí, fora do tempo, fazendo o trabalho dele que não é pouco.

Uma coisa é a religião étnica, o impasse humano diante do outro que pode saber o que não sabemos, ter o que não temos, uma coisa é a “placa da igreja”. Outra coisa absurdamente diferente é uma vida com Deus. “Para isso o filho de Deus se manifestou”.

Trago também a péssima notícia de que a eternidade já começou, e que vamos ter de resolver as coisas detalhe a detalhe até que estejamos na Glória desta experiência terrena. Cedo ou tarde, meus irmãos, estaremos em um projeto totalmente diferente. E ainda juntos um do outro.

A começar pela limpeza dos vidros

Crônica usa bom humor para ilustrar como percepções equivocadas distorcem a visão sobre ações alheias.

Tempo previsto
11/4/2025

Pela manhã, assim que chega à cozinha para o café, o marido encontra a mulher dele atônita diante da janela.

—Mas que vizinha porca! Como que pode ser tão relaxada? Veja os lençóis no varal dela, são muito sujos! — ela diz.

E ocorre de novo, no dia seguinte. E no seguinte.

—Meu amor, você já viu o tanto que a vizinha é porca? Os lençóis estão todos manchados, que sujeira! — ela insiste, com reprovação.

E a banda toca desse jeito vez após vez.

Até que o marido uma hora pega um pano e limpa os vidros da casa deles. E aqueles lençóis ficam limpos na mesma hora.

Umas palavras comuns

Livro de Jean Tirole e ações no Paraná ilustram benefícios reais quando indivíduos priorizam interesses coletivos.

Tempo previsto
11/4/2025

A ideia de bem comum tende a ser comumente um incômodo para os que nela se inspiram. De um jeito bom. Antes de pensar sob o ponto de vista econômico (totalmente integrado à biologia e às ciências humanas, tal qual definido por Jean Tirole), penso no excelente nome de editoria que “bem comum” escreve. Em vez de “cotidiano” ou “todo dia” – este último, um clássico da minha produção –, poderíamos chamar as notícias sobre buracos de “bem comum”, bem trivial, bem humano.

Quando argumento que “bem comum” incomoda, é porque, seja qual for o papel que ocupamos, somos convidados a suspender – ainda que de modo limitado – nossos entendimentos sobre o mundo. Leia devagar o que vem a seguir. Se é o que eu penso, é o que eu penso e é meu. Se é o que você pensa, é o que você pensa e é seu. A pegadinha está aqui: se é meu ou seu, não é nosso, não é bem comum.

Economia do bem comum é o título do livro de Tirole, ganhador do Nobel de Economia de 2014. A cópia que me chegou é da editora Zahar, com selo da República da França. Sustentado pela pesquisa econômica, o texto me esclareceu algo lindo: pelo menos em laboratório, somos mais frequentemente honestos e generosos do que egoístas (exceto quando temos exemplos muito ruins por perto). E mais: tendemos a nos engajar em causas que não nos trazem recompensas que soem troca, porque não gostamos de parecer gananciosos.  Pulo do gato: ao mesmo tempo, quando vamos às urnas e somos vistos na cabine de votação, temos prazer. O voto por correio nos Estados Unidos diminuiu a participação. O pessoal queria mesmo encontrar os vizinhos na calçada, usar um adesivo no peito.

Há alguns anos, o professor Belmiro Valverde Jobim Castor (autor de Tamanho não é documento, dentre outros títulos) procurou qual era a localidade mais pobre de Curitiba e região metropolitana. Usou por parâmetro os números do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb). Deu de cara com um bairro paupérrimo de Piraquara. Lá, instalou uma escola de primeiro mundo, com dinheiro da filantropia dos Estados Unidos. Nomes como os do arquiteto Manoel Coelho e dos jornalistas Aroldo Murá e Michelle Thomé assinaram projetos. Em funcionamento, o Centro de Educação João Paulo II passou a oferecer educação em período integral, com três refeições por dia, ao mesmo custo que o governo gastava por criança na rede pública.

Quem me recomendou a leitura sobre o bem comum foi o secretário de Planejamento e Obras Estruturantes do Paraná, Valdemar Bernardo Jorge. Ele e uma equipe do estado identificaram os municípios com menor Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) e criaram o programa Paraná Produtivo. Nisso o programa se assemelha ao centro de educação de Belmiro, pelo nivelamento por cima: uma plataforma de business intelligence passou a funcionar com dados coletados de fontes diversas, como tabelas do Instituto Paranaense de Desenvolvimento Econômico e Social (Ipardes), para tornar claras e mensuráveis as fraquezas e fortalezas das regiões. Só funciona se os atores locais quiserem participar, e se estiverem dispostos a dividir as vantagens e riscos. Isso é bem comum.

Defender a infância é uma ação de todo dia, não de memorial

Documento paranaense reforça que proteção à infância deve partir da prática política cotidiana, não só do papel.

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11/4/2025

Caiu no meu colo o Plano Decenal dos Direitos da Criança e do Adolescente do Estado do Paraná (2014-2023), com 450 páginas. Minhas impressões começam pelo revés: antes de dar nomes às pessoas que realmente colocaram a mão na massa, vem uma lista infinita de políticos. Chato!

Em tendo superado esse trecho, o que se lê é um deleite para acadêmicos, gestores públicos e defensores da infância. São informações claras a ponto de se anotar: “sobre tal assunto não temos informações”. Mas me permita contar o motivo do meu comentário.

Embora a tal lista de políticos me cause certa náusea (pela hierarquia invertida das coisas, o mérito é dos técnicos que escreveram, primeiro vem o nome do autor!), a assinatura deles é essencial.

Não somente a assinatura, mas um comprometimento que passe por isto: a legislação não muda a realidade, planos não mudam a realidade, mas a ação diária muda, sim.

Internet 7 x 1 em 5 séculos de pesquisa em jornalismo

Autor critica perda de rigor jornalístico, apontando fragilidade técnica e linguística influenciada pela internet.

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11/4/2025

Dou-me por vencido quanto ao “manual de redação” da internet, pelo qual o robô, burro que é, não entende português com voz passiva. “Um caminhão de maconha foi apreendido” virou “A polícia apreendeu um caminhão de maconha”. 5̶ ̶s̶é̶c̶u̶l̶o̶s̶ ̶d̶e̶ ̶p̶e̶s̶q̶u̶i̶s̶a̶

Mas não somente isso, infelizmente. Parei de implicar com os “detalhes” que me oferecem nos telejornais. Os âncoras dizem “agora todos os detalhes”. E eu pensava “mas não são ‘informações’?”. Agora, assisto aos “detalhes” e deixo passar batido.

Sem contar ainda a péssima conjugação do imperativo. É “acesse” o site. E não “acessa”. A menos que haja mudança de tempo verbal. “Você acessa o site para saber quando o mundo vai acabar de vez”, por exemplo. Mas quer falar errado? Beleza. Fale mascar chicrete também.

No futuro tem paz

Reflexão sobre experiência alemã sugere combater intolerância e extremismos para garantir um futuro pacífico.

Tempo previsto
11/4/2025

Temos o assunto dos abusos para conversar – os abusos às nossas comunidades que não podem e não vão passar despercebidos. Eu convido o leitor a deixar as reservas de lado, porque somos maiores que o PT ou o PSL. No último domingo, o presidente Jair Bolsonaro foi eleito democraticamente e, se estivermos atentos, será sempre assim: voto depositado em urna confiável concede mandato a quem o povo escolhe. Mas também convido o leitor a olharmos para uma fala da professora alemã Hanna Knapp que ouvi recentemente. Escrevo sobre a Alemanha para que possamos nos comparar a um país melhor que o nosso, e não pior.

É um panorama. A Alemanha – além da importância histórica – mantém o protagonismo na União Europeia e é uma das maiores economias do mundo. Esse país, que daqui para a frente engrossa a nossa conversa, está atento às políticas para refugiados e à violência de grupos neonazistas. O Ministério das Relações Exteriores da Alemanha, na figura do ministro Heiko Maas, pede ao presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, uma atitude cordial. Tal atitude é ampla e futurista, passando por acordos econômicos e direitos humanos.

A contar pelas falas de professores – a historiadora brasileira Francielly Barbosa pesquisa a os desdobramentos do nazismo em Curitiba – e pelo conteúdo das notícias, entendemos a preocupação alemã: eles trabalham para evitar que os acontecimentos trágicos da Segunda Guerra sejam repetidos. Apesar de a Alemanha ser um país democrático e de imprensa livre, grupos favoráveis a crimes são impedidos de propagar ideias. Daí é que vem o “paradoxo da intolerância”. Paradoxo é uma “opinião contrária à comum”. Um exemplo nos ajuda. Hipoteticamente, um grupo que agride e mata (ou que acredita que agredir e matar são caminhos para o mundo) – neste exemplo, um grupo neonazista – deve ser combatido para que não agrida e não mate. A Alemanha e outros países entenderam que se deve oferecer intolerância para os intolerantes. Daí a expressão “paradoxo da intolerância”.

A experiência alemã é a de que, passo a passo, se pode chegar à morte de milhões de pessoas. Para quem entende a matança de humanos como atrocidade irreparável, grupos violentos – de direita, de esquerda, abusadores disfarçados de #lulalivre ou #B17, e uma lista enorme – devem ser alvos próximos de nossas polícias e nossas lideranças comunitárias.

Bem acima da eleição, a retirada de um faixa antifascista de uma universidade é um alarme – e isso aconteceu, de fato, no Brasil. Um degrau, depois outro, depois outro. Ora, se alguém é efetivamente fascista, essa pessoa tem problemas com a polícia. Que há uma crise ética nas universidades, disso ninguém tem dúvida – poderíamos mencionar a instalação de comitês eleitorais dentro delas, por exemplo. Universitários chegam ao mundo do trabalho frequentemente perdidos. Mas, se universitários não podem ser antifascistas, a crise ética está também nas famílias, nos governos e nas polícias. No ano passado, realizei entrevistas com professores, historiadores, delegados e psicólogos para falarmos, jornalisticamente, sobre os grupos violentos – mas os editores a quem ofereci o material não consideraram a pauta suficientemente relevante.

Ao amor que me diz ‘foda-se o Instagram’, só penso em você

Texto intimista revela reflexões sobre felicidade real versus aparência nas redes sociais e a busca por equilíbrio.

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11/4/2025

Hoje, nossa casa tem um cheiro gosto entre incenso “de igreja” (é como me vendem as pedrinhas na lojinha do Santuário) e amaciante de roupas. Apesar de jamais ter ouvido qualquer reclamação sobre fedor de cigarros aqui, sinto que aquela fumaça podre se havia impregnado a longo prazo. Parei de fumar.

Quando contei a Racca sobre o uso de adesivos contra o tabagismo, ele respondeu com uma gargalhada gostosa, disse “depende de onde se cola”. Logo imaginei a boca tapada por fita crepe. Teria sido mais barato que comprar remédio.

Sinto sua falta em todos os intervalos do meu dia. Enquanto encho a caneca de café, ou vou ao banheiro, ou nos caminhos de ida e volta para o almoço, ou quando tenho a ousadia cozinhar (se depender de mim, viveremos a base de coisas simples de preparar) — basicamente, meu dia são essas atividades intercaladas por trabalho —, só penso em você.

De uns anos para cá, caí em uma cilada terrível de parecer uma pessoa feliz. Isto é, acho que tomei por verdade a ideia de fazer coisas complexas, que demandam um tanto e meio de inteligência, como quem brinca com uma “mola-maluca” (lembra da mola-maluca?).

De qualquer maneira, não acho que os graus de dificuldade das coisas sejam assunto, embora eu esteja contando isso para você agora.

No geral, mulheres e homens que têm vivência profissional agem assim, mas não “enfeitam o pavão”. A cilada não é ter “autoestima humilde” (estou lendo um livro do Michel Esparza que é um soco na boca do orgulho), mas achar que tenho o desapego, a auto-suficiência, a felicidade do Instagram. Não tenho, você sabe — risos. Sei que uma parte do que você gosta em mim tem a ver com isso, de qualquer modo. Se eu pudesse, ficava só com você.

Por enquanto, as duas pesquisas que toco, em duas universidades, tomam uma energia descomunal do meu raciocínio. Em uma, sou convidado a olhar para o mundo de um jeito “desamparado”, que é na filosofia. Em outra, estamos todos em uma área de estudo nova e parece que ninguém sabe exatamente para onde está indo (e é exatamente esse o “campo”, a instabilidade da comunicação).

Não vejo a hora de encontrar você para não fazermos nada além das coisas que já fazemos, só que inteiros porque não nos faltamos. Sonho com você me dizendo que foda-se o Instagram.

Espero você sempre. Um beijo.

A mi me encanta el ‘bololo’ brasileño: o uso correto do latim

Sucesso do "Bololo" mostra como expressões populares são fundamentais para aproximar comunicação e cultura.

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11/4/2025

Em dezembro do ano passado, a festa de encerramento da firma foi um triângulo das bermudas de estilos musicais. De hino de time ao sertanejo daquele momento, passou de tudo no som do Saboto. À exceção de duas tentativas minhas de beber e dançar ao som de Shake It Bololo ft. Classics of MPB. Em ambas, a música foi interrompida bruscamente por alguém (não sei quem) que certamente não lida tão bem com o uso popular das línguas latinas, especialmente o português de rua.

Muito longe de comparar MC Bin Laden a Marília Mendonça quanto à importância de popularizar temas sociais, porque você já sabe que me derreti por Marília uma semana antes do acidente de avião dela, estou convicto de eles sejam minhas descobertas recentes mais extravagantes e úteis à pesquisa em comunicação social. Nofa!

Além do som dançante e da letra ridiculamente divertida (porque é muito divertida, eu me mato de rir quase sempre!), o que “Bololo” (a versão remix, com link no primeiro parágrafo) traz-me são dados concretos: mais de 26 milhões de vizualizações; há uma língua própria relacionada à relação com o mundo; jamais é chato.

Anote, minha senhora e meu senhor, que se existe um tipo difícil de lidar no mundo não se trata do neurótico, nem do hipocondríaco, nem mesmo do farsante, mas especificamente do chato. O chato também pode ser chamado de canto. Sabe o cara canto? Vai à festa e fica no canto? Precisa ser movido por forças alheias a qualquer lugar que não seja o canto, porque é uma criança cagada no canto da sala.

‘Deixa os garoto brincar’

Pra gente que trabalha na produção de mídia, tem um trecho de “Bololo” em que se grita repetidamente: “deixa os garoto brincar”, ao que escuto “deixa os cara publicar”. Basicamente, bem basicamente, tenho levado a palavra do “Bololo” comigo por onde passo.

Nenhuma canção é mais “quebra de estado” da Programação Neurolinguística (PNL) que “Bololo”. Ame-o ou deixe-o, mas que ele nos sirva de peteleco nas oreia quanto ao que é unicamente musical, divertido, idioma que também quero entender, falar e escrever fluentemente (mais um? 😆).

Não. Minha resposta é não

Autor repudia invasão de missa em Curitiba e critica discursos que estimulam ainda mais violência e intolerância. (119 caracteres)

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11/4/2025

Não. Não é o caso de normalizar os ataques que sofremos com a interrupção da Santa Missa em Curitiba no último sábado (5). Até me pergunto. Quem não é católico tem ideia do que é uma Missa? É o próprio Deus sendo morto de novo, é a comunhão com o sacrifício em com os irmãos da fé. É um master reset do ato fundador da civilização. Não estou ok com interromper a Missa. Não.

Não estou ok com a retroalimentação da violência contra o indivíduo, que dirá contra o sagrado do indivíduo.

Meus pais escreveram um livro de bençãos para mim. Muitas páginas com trechos das Escrituras, ícones relacionados a talentos, cartas de amor. Quando o mostrei, há alguns anos, para a analista Michelle Thomé, ela não tocou aquela colagem sem antes lavar as mãos. Folheou tão cuidadosamente que me levou a pensar: “é assim que faz”. Imito Michelle também nisso. Ontem, meu sagrado foi vilipendiado.

Primeiro, conheço um Deus poderoso que — para os que creem — foi linchado enquanto se declarava inocente. De Jesus Cristo pra cá, a roda da violência gira no vazio. Ou teriam os manifestantes (de baixíssima categoria? Claro, mas ainda manifestantes) conseguido a façanha de perturbar um Deus imperturbável? Caso tenham conseguido, entrego aqui minhas credenciais de cristão.

Não. Não mesmo. Não de jeito nenhum! Minha resposta é não. Não estou ok com a reação dos que usam a marca de Cristo para assassinar. Na minha modesta interpretação da Lei Mosaica, “não vai matar”.

Ontem, roubaram meu dinheiro, chutaram minha santa, queimaram meu terreiro, mas não foi porque interromperam a Missa. Foi porque eu li — com estes lindos olhos castanhos brilhantes que tenho — que “se alguém estivesse armado na Missa, isso não teria acontecido”. “Isso” o quê, assassino?

Não. Não estou ok ao saber que no mundo tem alguém que está ok com descarregar o tambor em uma Missa. Imagine a lindíssima atualização no livro de Atos. “Quando a perseguição veio, os cristãos meteram bala”.

Não. Isso não. Não mesmo.