Conversar com todos é formação do jornalista

Após polarização eleitoral, jornalistas são desafiados a superar bolhas sociais e dialogar com realidades diversas.

Vinícius Sgarbe
5 min read

Diante daquele presidente eleito, seja ele quem for, daqui a duas semanas, teremos superado uma das “desculpas” para procrastinar talvez a mais importante prática jornalística, a de conversar com absolutamente todos que nos apareçam. Do jeito que o país está dividido – o que não se aplica ao Paraná, haja vista a reeleição do governador, e a votação do antipetismo para a Presidência –, caímos fácil na falácia de que é melhor deixar aquele assunto controverso para lá, para depois disso, para além daquilo.

Nós, jornalistas, talvez nos tenhamos dado ao luxo de escolhas elitistas. Quando a palavra “elite” emerge nos artigos científicos de comunicação política, um pequeno demônio sussurra em nossos ouvidos de gatekeepers: “você venceu na vida, fez por merecer, você é elite”. Não necessariamente o demônio está errado, frequentemente nos diz coisas mais razoáveis que o psiquiatra. Fazer-se ou ser-se elite, porém, conferiria a nós um papel pouco flexível, mais de Rainha Elizabeth que de Winston Churchill. De qualquer modo, quem vai falar com os que não entram no palácio?

Durante as eleições, coberturas de desastres, de carnavais, e toda sorte de assuntos falsamente urgentes, somos tentados ou coagidos a sacrificar o trabalho antropológico, de investigação, de perguntar “como isso que você está me contando acontece?”.

As perguntas do lead, o famoso “o quê, quem, como, quando, onde e por quê”, podem ser respondidas por inteligências artificiais bem treinadas. Algumas atividades da redação são tão mecanizadas que sites avançados substituíram repórteres por robôs – o que acho muito bom. Bem tensionada, a teoria Newsmaking pode dar conta dessa mudança. Mas isso não atende a necessidade de reconhecimento e participação das pessoas que nos leem ou assistem. O palco público que nos esforçamos para manter em pé não tem pernas que não sejam as nossas, ouvidos e inteligências que não sejam as nossas.

A primeira tarefa a ser concluída, depois das eleições, como queiram, é visitar todos, todos, aqueles tios do zap do grupo da família, insuportáveis no digital e amáveis feito a Santa Maria quando presentes em carne. É preciso atender aos telefonemas deles, deixá-los nos explicar por que acreditam que o Supremo Tribunal Federal trabalha para destruir a vida, por que acreditam que aquele terreninho mixuruca a dezessete quadras da praia vai ser “invadido” pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), mas, principalmente, por que não acreditam mais no que você e eu escrevemos, gravamos ou apresentamos. E quando nos disserem que é porque “a mídia está toda comprada”, perguntaremos: “não fique chateado, tio, mas como isso acontece?”.

Deixem-me escrever um pouco em tom solene de Bíblia.

Filhinhos, não pratiquem culto à falta de tempo. Isso é próprio de profissões menos importantes e menos prestigiadas que a de vocês. Jamais respondam “hoje, não posso ir ao Basset Lanches com os amigos dos meus amigos”, e jamais evitem ouvir pela quinquagésima vez a mesma história. Se uma história resiste a cinquenta repetições é poque deve ser boa. É abominável, de qualquer modo, que o sucesso profissional termine em indisponibilidade para se ir à universidade, à exposições de arte, ou para sentar em uma roda diferente onde não se é o dono da verdade.

Fim do desafio bíblico.

Daí complica, sentar em uma roda diferente onde não se é o dono da verdade, porque, em alguma medida, somos obrigados a ampliar nossos quadros de referência. E isso nos faria perder o papel de “juiz da notícia”. É preciso reconhecer o pequeno Sergio Moro que mora em cada um de nós, para impedi-lo de errar a mão, impedi-lo de se alimentar e realizar a Operação Lava Jato 2. Temos de nos proibir terminantemente de comer o Estado com farinha. No fim, o tio do zap e nós jornalistas temos pelo menos isto em comum: não gostamos de nos sentir enganados ou subestimados.

Quando me refiro a jornalistas, escrevo sobre o grupo que considero minha comunidade profissional. Escrevo, pelo testemunho de sobriedade, a partir de mim. Porque eu somente poderia criticar no “outro” (para ser um pouco habermasiano) o que tivesse consciência de ser criticável, ou, ainda, minha crítica poderia partir de meus defeitos pessoais. Ou várias outras variações. Mas com ou sem autocrítica, sem ou com o melhor jeito de comunicar aos pares que essas críticas são um remédio amargo para nosso futuro profissional, estamos no mesmo Titanic do noticiário.

No lá e no então do passado, dizia-se a cada geração de repórteres: “lugar de repórter é na rua”. A ideia era de que a notícia estava onde havia vida, onde tinha ônibus e postes atrapalhando as vidas dos contribuintes, nas muvucas das manifestações políticas ou sindicais. A gente sai para escrever sobre uma colônia de férias, e volta sujo de barro fazendo vivo de enchente. Que demais essa profissão!

No aqui e no agora, reforço: lugar de repórter é em todas as ruas, em qualquer espaço que se possa entrar. Por que o cachorro entrou na igreja? Porque a porta estava aberta. Onde houver gente, onde houver conversas sobre dificuldade para dormir, sobre níveis de colesterol, onde se estiver falando sobre pintura em aquarela, sobre a influência das medidas das ondas do mar na formação das conchas, bem ali onde estiverem os “extremos” (amáveis como Santa Maria), na discussão acadêmica, na internet, claro, nas festas de família, há de haver um jornalista que se interessa pela vida humana. Se um apresentador consegue resolver um imbróglio familiar, aguenta qualquer coisa no ar.

Este texto é um convite a um dos fundamentos da formação de jornalistas, às relações interpessoais. É ouvindo sem preconceitos que a gente rearranja o caleidoscópio do mundo, que sentimos aquele ar fresco e perfumado do que é novo, que nos livramos das bolhas com cheiro de jaula. É entre pares que testamos as ideias em nossas cabeças, encontramos as primeiras resistências ou oposições claras, amadurecemos o que não está maduro o suficiente.

IA e objetivos globais

Leia insights sobre a interação de humanos com modelos de linguagem de IA, e sobre os ODS no Brasil. Lab Educação 2050 Ltda, que mantém este site, é signatária do Pacto Global das Nações Unidas.

Jornalismo e aproximação humana

O contato direto com todos os públicos renova a prática jornalística e o desenvolvimento.

ODS 16: diálogo para confiança social

Escutar sem preconceitos fortalece vínculos, consolida instituições e promove paz duradoura.

“AI is not replacing lawyers—it's empowering them. By automating the mundane, enhancing the complex, and democratizing access, AI is paving the way for a legal system that’s faster, fairer, and more future-ready.”

Micheal Sterling
CEO - Founder @ Echo

Improving Access to Justice

The integration of AI into the legal industry is still in its early stages, but the potential is immense. As AI technology continues to evolve. We can expect even more advanced applications, such as:

Law Solutions

Accessible to individuals and small businesses.

Chatbots

Bridging gap by providing affordable solutions.

Você pode gostar

Gestores mais velhos em restaurantes são mais avessos ao risco, aponta estudo

Pesquisa da UFSC revela que experiência prolongada influencia gestores a optarem por medidas conservadoras.

Tempo previsto
23/4/2025

Um estudo recente publicado na Revista Turismo, Visão e Ação (RTVA) revelou que gestores mais velhos e com maior tempo de serviço em restaurantes tendem a ser mais avessos ao risco em suas decisões corporativas. A pesquisa, conduzida por pesquisadores da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), analisou dados de mais de 2 mil restaurantes na Europa entre 2014 e 2016.

A pesquisa, intitulada "Influência das Características da Equipe de Gestão sobre a Tomada de Decisão de Risco: Evidências do Ramo de Restaurantes", utilizou a base de dados Amadeus e aplicou o método dos mínimos quadrados para analisar a relação entre as características dos gestores – idade, tempo de serviço, gênero e tamanho da equipe – e o nível de alavancagem financeira das empresas, usado como indicador de tomada de risco.

Os resultados mostraram uma correlação negativa significativa entre a idade e o tempo de serviço dos gestores e a propensão ao risco. Gestores mais velhos e aqueles que ocupavam o mesmo cargo há mais tempo demonstraram preferência por decisões mais conservadoras, optando por manter o status quo em vez de adotar estratégias inovadoras ou arriscadas.

Contrariando algumas expectativas, o estudo não encontrou relação significativa entre o tamanho da equipe de gestão ou a participação feminina e a tomada de risco. Embora pesquisas anteriores tenham sugerido uma possível influência desses fatores, os dados analisados não confirmaram essa hipótese no contexto específico da indústria de restaurantes.

Os autores sugerem que a aversão ao risco demonstrada por gestores mais experientes pode estar relacionada à priorização da estabilidade e da reputação construída ao longo da carreira. A familiaridade com o setor e a preocupação em preservar os ganhos obtidos podem levá-los a evitar decisões que representem potenciais ameaças ao negócio.

Implicações para o setor

As descobertas do estudo têm implicações importantes para a gestão de restaurantes. A pesquisa sugere que a composição da equipe gestora pode influenciar diretamente a estratégia e o desempenho das empresas. Restaurantes com gestores mais jovens podem estar mais dispostos a inovar e assumir riscos, enquanto aqueles liderados por gestores mais experientes podem priorizar a estabilidade e a segurança financeira.

Próximos passos

Os pesquisadores destacam a necessidade de estudos adicionais para aprofundar a compreensão da relação entre as características dos gestores e a tomada de decisão em restaurantes. A investigação de fatores psicológicos, como a tolerância ao risco individual, e a análise de dados de um período mais amplo poderiam enriquecer a discussão e fornecer insights mais precisos para o setor.

Suítes no jornalismo se relacionam com queda da confiança

Ausência de atualizações e de contexto em notícias contínuas afeta credibilidade e confiança dos leitores.

Tempo previsto
11/4/2025

Uma suíte jornalística é a continuidade de uma notícia em novas matérias que atualizam as anteriores. Algo como "Duas pessoas ficaram feridas em um acidente"; depois, "Homens que ficaram feridos em acidente fazem cirurgia"; ainda, "Homens que se feriram em acidente recebem alta"; e, ainda, "Empresa responsável por acidente com feridos é multada". Todas essas manchetes fantasiosas têm a ver com um mesmo fato originário.

Não é todo tipo de notícia que merece uma continuidade. Alguns acontecimentos e realizações têm fôlego para uma única aparição. Seja como for, para estar uma ou várias vezes no jornal, a "coisa" tem de ser verdadeiramente uma notícia, o que, basicamente, significa que não é publicidade ou propaganda – mas isso é assunto para outra oportunidade.

Em termos de formato, uma suíte não é nada diferente de uma notícia nova. Até porque só se tem uma continuação quando um novo fato é revelado. Mas é no estilo, pelo que notei, que a marmita das suítes azedou – no sentido de por que perderam o fôlego nos últimos anos.

Vamos tomar por exemplo uma investigação policial. O jornalismo de boa e de má qualidade têm interesse em pautas criminais. Porém, nos dois tipos de qualidade fica um sabor de vício, quem sabe originário do prazer de se "furar" (quando um jornalista é o primeiro em noticiar algo). É uma pressa que mais atrapalha que ajuda: não raro, são apresentadas versões que colaboram com uma história que se quer contar, que pode não ter nada a ver com o que aconteceu de verdade.

Contar toda a história

No caso de Homem armado ameaça jovem negro em SP, e policial se recusa a agir por estar 'de folga'; veja vídeo, por exemplo. É uma história que rapidamente conquistou a atenção dos jornalistas e do público, porque um vídeo comprova não somente a omissão de uma policial como também a agressão dela contra um jovem. Aqui, não está em discussão se a policial acertou ou errou. Ao mesmo tempo, faltou, pela ausência de suítes, a ampliação do contexto do vídeo de três minutos.

Uma história contada por sua característica intrigante pode render minutos de audiência, e um aumento de visitantes no site. Porém, sem continuidade, é um tiro no pé. Em 2023, o Digital News Report do Reuters Institute identificou que a confiança dos brasileiros no jornalismo é de 43%, uma diminuição de 19 pontos percentuais desde 2015. Estatisticamente, a tendência de queda pode marcar 41% em 2024. Nesse cenário, todos os recursos de inteligência e de integridade são bem-vindos para melhorar esses números.

As suítes são uma oportunidade para garantir ao público que as escolhas de pauta representam, ainda que contramajoritariamente, o compromisso do veículo com uma história contada do começo ao fim, com todas as nuances. Para isso, a linha editorial como um todo, e mais ainda os repórteres e editores, têm de encarar a atividade investigativa com o desprendimento de contar as coisas como elas são, e não como deveriam ser.