Em diálogo com Sgarbe, Cervi analisa papel do jornalismo e afirma que religião pautada por bens materiais perde propósito.
Em diálogo com Sgarbe, Cervi analisa papel do jornalismo e afirma que religião pautada por bens materiais perde propósito.
Fiquei feliz todas as tardes de segundas-feiras, neste semestre. Em uma disciplina optativa da Universidade Federal do Paraná (UFPR), numa turma de pouquíssimos alunos, tive de Dr. Emerson Urizzi Cervi o impulso que me é caro para discutir jornalismo. Cervi tem um jeito sóbrio de jornalista que me lembra as redações que não sucumbiram ao deslumbre da internet.
Sgarbe: Querido professor Cervi, os leitores deste site se aborreceriam se eu não contasse a eles que escrevi ao senhor quando eu ainda estava no Ensino Médio e sonhava ser jornalista. Lembro de me interessar em comunicação política. Bem, tal qual é do feitio dos autocontratos, cá estamos em via de eu escrever o primeiro artigo para sua apreciação. Em tendo superado o principal aspecto afetivo desta conversa, caio no próximo. Isto é, o afeto frio que me causa assistir ao jornalismo de televisão. É que não se trata, evidentemente, de um gosto pessoal, mas de uma dimensão colegiada, coletiva, comunitária, do jornalismo. Apesar de minha convicção de que não é possível fazer jornalismo de massa tal qual o concebemos décadas atrás, é possível e necessário, é justo e necessário, que o jornalismo de televisão recorra à literatura básica do que é notícia. Refiro-me diretamente à “nova geração”, que tem à disposição repórteres de excelente qualidade, e pelos quais, via relações intrapessoais, o DNA do jornalismo se pode transferir. Desconfio muito seriamente de qualquer jornalismo que não traga claramente o dilema “comercial-editorial”. E minha primeira pergunta é: o que veio primeiro? O ovo ou a serpente? O jornalismo molenga é fruto de uma comunidade molenga?
Cervi: Sgarbe, o jornalismo é uma atividade humana, constrangida, limitada e potencializada pelo contexto social em que se encontra. O jornalismo do século XXI não será igual ao do século XX, que não pode ser comparado com o do século XIX simplesmente porque a sociedade de cada momento em que está inserido o jornalismo é específica. Precisamos evitar alguns exageros se quisermos entender o papel do jornalismo na sociedade do século XXI. O primeiro é o do determinismo tecnológico. Não é a tecnologia que molda o jornalismo, mas, sim, o jornalismo que faz uso das tecnologias disponíveis para se moldar. O segundo é o excesso da centralidade do jornalismo no mundo.
O jornalismo é uma atividade profissional e uma instituição social que integra as chamadas instituições intermediadoras. Jornalismo, por natureza, intermedia a relação entre pessoas e pessoas, pessoas e instituições, pessoas e conceitos sociais mais abstratos.
Então, jornalismo faz bem seu papel quando consegue intermediar relações sociais de forma relevante, ou seja, de forma consequente. Historicamente o jornalismo de massa é uma instituição intermediadora para a estabilidade social. Ele apresenta as regras e comportamentos esperados (claro que existem os casos de jornalismo usado para fins revolucionários, mas, essa não é a regra). Porém, e aqui está um elemento importante, a boa consequência do papel de intermediador não depende apenas que quem intermedia, mas das expectativas daqueles que estão nas "pontas" dos processos de intermediação - fora do âmbito direto do jornalismo - as fontes, de um lado, e o público, de outro. Se quisermos respostas sobre o jornalismo do século XXI precisamos, necessariamente, perguntar às fontes e ao público o que eles esperam do jornalismo do século XXI e não aos jornalistas diretamente.
Sgarbe: Quando li seu parágrafo, pensei “tenho de voltar com pelo menos algumas entrevistas, nas quais pergunto às pessoas sobre o que elas esperam do jornalismo”. Evidentemente não é o caso, mas tive o impulso de repórter. Entendo que para manter o jornalismo vivo, tal qual se fez em outras épocas, teremos de lidar comunidades absurdamente diferentes das que tivemos há dez ou vinte anos. Essas mudanças rápidas, justificadas às vezes pelo aporte tecnológico ou, até mesmo pela gravidade de uma pandemia, pouco tem a ver com efetivamente celulares e vacinas – itens que muito mais são sintoma do que causa. Depois do levante fascista e da Covid-19, estamos em um pós-guerra. Voltemos um pouco. Depois da Primeira Guerra Mundial, nós experimentamos as vanguardas de arte, dentre outros efeitos menos singelos. A psicanálise e o fundamentalismo religioso também saíram de lá. Ocorre que, no caso desses dois últimos, os resultados foram completamente diferentes. Para o primeiro, a conclusão é que o fim é inevitável e desejado, enquanto para o segundo se agarra à dureza de umas poucas frases que incentivam à espera pela volta do Messias. Entendo que, tal qual é esperado da história que se repita, nosso agora tem traços daqueles desenhos. É utópico, mas seria muito bom, que os indivíduos fossem capazes de lidar com seus problemas internos antes de ir ao palco público. Quem sabe daqui a mil anos. Há muitos cenários e microcenários na tela, então tenho consciência de que o recorte a seguir é impreciso. Nós nos polarizamos mais ou menos assim: de um lado, a cátedra, o culto à investigação científica (há poucas horas, disse que ao se crer na ciência sem restrições tornamos a ciência religião – caiu mal ao grupo, mas não me importo, nesse caso); do outro, o Deus poderoso que se vingará dos maus, e que nos distinguirá dos perversos. Acho que ambos estão viajando na maionese, por este motivo aqui: a que serve tudo isso se o que se busca não é a paz? Vai ser muito difícil obter respostas dessa gente quanto ao jornalismo. Enquanto isso, minha aposta é no jornalismo de precisão e em uma brilhante capacidade de diálogo e bom humor – seja com quem for.
Cervi: Bem, se te entendi bem, ampliamos a discussão, saindo do jornalismo propriamente dito. Se for isso, concordo com a sua proposta. Se tomarmos o jornalismo pelo que ele é: uma atividade profissional com impacto coletivo como fim, perceberemos que ele só pode ser entendido se colocado frente a outras instituições, grupos e normas sociais.
O fim coletivo do jornalismo é o atendimento a demandas da sociedade por informação.
Quando esse fim é bem sucedido, a informação jornalística serve como amálgama social, que dá forma e une outras instituições sociais. Em outras palavras, a informação jornalística tem como fim a coesão social e não a distensão. O fenômeno típico do século XXI é que o jornalismo como fim enfrenta a concorrência da difusão de conteúdos e informações com o objetivo oposto ao da coesão social. Uma discussão interessante seria a da liberdade como direito. Assim como qualquer outro, não existem direitos absolutos em qualquer sociedade. No limite, até o direito à vida não é absoluto em muitas sociedades. O que acontecia no século XX é que as lutas pelo direito à ampliação e democratização da informação, que são meios, deixaram os fins, que é a coesão social, em segundo plano. É preciso recolocar a discussão sobre os fins da liberdade de expressão no debate público. Entendo que não foi o que você propôs, então paro por aqui. Sua proposta foi olhar para os conflitos sociais contemporâneos a partir do nível micro, o individual. E, nesse caso, você aponta quais são as instituições com mais impacto sobre o comportamento social a partir do indivíduo: a igreja, notadamente. A religião tem a capacidade de transpassar da esfera privada para a pública sem a necessidade de nenhum filtro. Só entenderemos os conflitos pessoais no início do século XXI no momento em que pensarmos como as religiões estão abordando as diferenças entre o poder espiritual e o poder material. Quando a religião foca no poder material é porque ela já perdeu a essência, que é o controle espiritual. A partir daí ela tende a estar cada vez mais envolvida em temas mundanos e menos nos espirituais. A sociedade toda perde, mas, principalmente, a religião é a principal derrotada. Tratar as crises dos indivíduos, os conflitos, as dissensões, a formação de bolhas sociais a partir do papel das instituições tem uma capacidade explicativa maior do que cair no determinismo tecnológicos, que tende a ser um beco sem saída.
Jornalista analisa papel crítico da opinião na democracia e alerta que radicalismo e burrice são riscos imperdoáveis.
Sgarbe: Pedro, nós conversamos há tanto tempo, e há tanto tempo jamais nos vimos pessoalmente, que tenho a impressão que voltamos aos anos 90, com a ideia do web-amigo — risos. Algo que nos une frequentemente, de volta à realidade deste um artigo de opinião, é o jornalismo, especialmente, que ironia, os artigos de opinião. Isso me faz lembrar do ídolo Gladimir Nascimento. Ele nos impedia, iniciantes que éramos, de colocar opiniões de ouvintes no ar sem um critério de respeito ao indivíduo que emitiria a opinião e ao que a ouviria. Algo como os filhos de Noé cobrindo o velhinho que tinha se passado com bebida. Em tendo introduzido o assunto da pior maneira, pergunto se você acha que a imprensa de 2022 faz bem ou mal de deixar passar tanta gente jegue no papel de colunistas, entrevistados, etc. Não seria o caso da gente evitar expor esses irmãos ao ridículo?
Pedro Ribeiro: Caro jornalista Vinícius Sgarbe. Ao falar com você, este velho sobrevivente das letras, ou da pena, como diz Nilson Monteiro, se sente gratificado e na certeza de que sairá daqui com aprendizado e conhecimento. Ao ser homenageado como uma das “Vozes do Paraná”, na coleção de personalidades paranaenses do professor Aroldo Murá, e agora falando com você, até acho que tenho um pouco de importância ou história no nosso jornalismo, onde comecei na Gazeta do Povo há 45 anos. Um pouco. Só.Artigos de opinião! Você não tem ideia de quantos chegam para mim por dia no Paraná Portal. Cada um de arrepiar. Por isso, depois de um filtro, os que acho interessante, coloco no rodapé: este artigo não representa, necessariamente, a opinião deste jornal e é de pura responsabilidade de seu autor. Hoje, caro Sgarbe, com as redes sociais e o chamado jornalismo cidadão, todo mundo tem contribuído, de uma forma ou outra, com “opinião”, para a construção da democracia e na esfera pública. Cada um tem sua razão. São artigos que, em muitos casos, suscitam debates, radicais ou não, e geram muitas polêmicas. Cada um que escreve um artigo, tem plena confiança de que a sua opinião está correta e, as vezes, temos exemplos dogmáticos. Não podemos, jamais, confundir artigos de opinião com reportagens jornalísticas, pois, para mim, o jornalismo, embora seja um espaço de contraponto, seu compromisso é com a verdade, com a reportagem dos fatos, devidamente investigados. É neutro. Tem seus valores de liberdade, dignidade, respeito e abertura ao contraditório. Jornalismo, para mim, meu caro amigo, é o pilar da democracia. Sem jornais não existe democracia. É difícil você ter que, por exemplo, dizer a um colega, que o artigo dele não passa de um release de interesse pessoal ou patronal. Ele pode se ofender. Prefiro, dizer que “o conselho de redação vai avaliar” (risos).
Sgarbe: Hoje, eu encontrei um desses cortes de podcast em que um homem diz “burro é quem não muda de opinião”. Até me lembra o anúncio do cigarro Free. Penso que aquele homem está certo. Podemos redecidir uma opinião com base em novos fatos. Estou lendo um livro ótimo do Bion, “Aprender da experiência”, um texto psicanalítico. Eu me pergunto frequentemente, diariamente, o que aprendi, afinal. Uma das coisas e que o sarcasmo pode fazer muito mal às relações interpessoais. Com essas relações prejudicadas, fica mais difícil transferir conhecimento. Considero que o sarcasmo pode até mesmo ser um empecilho para quem está procurando por uma verdade. O que argumento é que não podemos, nós, jornalistas, suportar o peso de um único ponto de vista, temos de sair da escravidão da “lacrolândia”. Uma opinião forte é bem-vinda — muito diferentemente dos comentários bobos que âncoras podem fazer porque não têm o que dizer. Para uma opinião forte se requer um indivíduo forte, uma “mulher inteira”, um “homem inteiro”. Parece difícil para o jornalista de 2022 entender que ele não precisa, que continua não precisando, salvar a lavoura da mídia, que os papéis comerciais e editoriais estão muito bem sedimentados. Ele tem de fazer o trabalho dele, ser amado pelas pessoas da própria família, pelos amigos, mas que não precisa implorar por sucesso quando noticia.
Pedro Ribeiro: Deixar um pensamento radical, intolerante e mudar com convicção, não é vergonha, pelo contrário, é saber reconhecer que a terra é redonda e não plana, que a fila anda. É saudável, faz bem para a alma. Fazer uma reflexão e autocrítica sobre pontos de vistas oxigena nosso cérebro e nos faz seguir um caminho verdadeiro. Nosso país, uma das maiores democracias do mundo, exige isso. É um país que experimenta e respira liberdade, pelo menos no jornalismo pós-ditadura. O que vemos são algumas coisas pontuais como intolerância sobre urnas eletrônicas, tentativas de golpe, coisas pequenas que não chegar a arranhar o sistema democrático. Nada violento. A opinião é livre, mas a burrice é imperdoável, porque você tem tempo para aprender e inovar. Como jornalista que escreve editoriais (artigos de opinião própria e da linha de pensamento do jornal), eu erro e procuro corrigir meus erros e, às vezes, mudando de opinião. Isto não é vergonhoso para mim. Muitos amigos me perguntam: você vai votar no ladrão? Respondo com peito estufado de jornalista não engajado que voto em quem é o melhor e, no nosso caso, hoje, em quem é menos ruim. O ladrão, pode ter aprendido no pau de arara, com chicotadas nas costas, mas o burro, o radical é pior. Esta é minha “opinião” e posso mudá-la se alguém me provar que teremos, do outro lado, um programa econômico e social para nosso país que privilegie a camada fina da sociedade e não os poucos mais de 500 congressistas e outros 55 mil autoridades que tem foro privilegiado. Orçamentos secretos, dinheiro a rodo do Fundo Eleitoral. Isto não combina com minha linha de pensamento jornalístico. Neste caso, sou até radical e as vezes exagero na mão. Mas não dobro os joelhos. Vejo muitos colegas jornalistas de hoje que têm uma linha correta e rezam pela cartilha do bom jornalismo como aquele que jura com a mão na Bíblia ou diante da Justiça, em dizer a verdade, somente a verdade. Nosso país está carente de lideranças. O Brasil, hoje, é o retrato do seu próprio retrovisor, ou espelho. Um abraço, Sgarbe.
Sgarbe: Obrigado pela aula, Pedro! Abraço.
João Arruda defende reforma política ao invés de tentar "reformar o eleitor" e critica atuais mecanismos eleitorais.
Sgarbe: João, a gente se conheceu falando mal do MDB. Ambos eram (são) filiados. Algo que me ligou a você foi a capacidade de autocrítica, tenho chamado essa disposição de “pessimismo sereno”. Mas, eu olho as candidatas e os candidatos à Câmara dos Deputados e à Assembleia, e penso assim: não conseguem sequer criticar a si mesmos, que dirá o próprio partido, ou a política nacional. Onde temos errado na “seleção” de pessoas para a vida pública? Não lhe parece que o pessoal é curva de rio?
João Arruda: O problema está em quem escolhe. Dirigentes de partido se perpetuam à frente das agremiações, e, com o controle dos delegados e do fundo eleitoral, fica praticamente impossível tira-los do poder. É um cartório! Hoje, o presidente de partido ganha um bom salário e exerce a função como profissão. Poderia aproveitar a oportunidade para melhorar a qualidade dos seus quadros, capacitar e formar líderes capazes de transformar o país, mas não é o que acontece na prática. Outro problema é o desinteresse da população. O que dá retorno eleitoral? Uma boa proposta ou fakenews nas redes sociais? Um projeto ou dinheiro? Ideais ou popularidade a qualquer custo? Princípios ou um prefeito no cabresto? Sem votos, o maior quadro da política mundial não sobrevive, e não coloca nada do que aprendeu em prática. Vai, no máximo, escrever e debater com amigos e outros quadros. Tudo que escrevi aqui, dirigentes de má qualidade, desafios para que o eleitor preste mais atenção, só se resolve de uma maneira: uma reforma eleitoral radical, e bem pensada, através de plebiscito. Toda reforma que seja aprovada no Congresso só vai beneficiar senadores e deputados que já estão lá, que querem permanecer pra sempre.
Sgarbe: Temos uma advogada conhecida em comum, mas esqueci o nome dela, que defende a “reforma do povo”. Uma reforma no eleitor. Comentei o assunto em um grupo de jornalistas, e logo alguém disse que a ideia é de Bolsonaro. Bem, finalmente chegamos a uma ideia nem tão ruim do presidente. Quando me refiro ao “povo”, tem a ver com um tipo de mudança que não se pode ter de uma eleição para outra. Na Itália, a primeira mulher a governar o país é apaixonada por Mussolini. Supondo que Mussolini não tivesse matado aproximadamente um milhão de pessoas, deveria haver pelo menos um constrangimento em dar apoio a um homem que supostamente matou um milhão de pessoas. Mas não há. É quando penso no seu último parágrafo, nos “caciques” que escolhem bandeiras do entretenimento sádico para garantir a cadeira, concluo que a política está muito cheia de “indivíduos”, de histórias pessoais mal resolvidas, de dores de alma agarradas à vingança, à autodestruição, à poluição. Quando eu for o Líder Supremo do Brasil, vou decretar pelo menos seis meses de terapia para os candidatos antes do registro de candidatura.
João Arruda: Tem doido pra tudo! Outro dia, minha irmã me disse que quem vota no Bolsonaro é fascista, racista, e não gosta de pobres. Perguntei a ela: “você já parou para pensar que é julgada como corrupta porque vota em Lula? Cada pessoa faz a escolha que quer, e encontra suas razões pra votar. Você acha existe má intenção quando fazem isso, mesmo quando votam em um bandido?”. Já me decepcionei muito no passado, mas,hoje, procuro compreender as razões pelas quais alguém vota num canalha. Reformar o eleitor é mais ou menos o que alguns tentam fazer. Talvez o Mussolini, Hitler, e outros ditadores pensariam em uma alternativa como essa. Ou quem sabe a alternativa mais moderna seria “a cura do eleitor que não sabe votar”, algo como a “cura gay” do Feliciano. Mas, investigando as razões por que uma pessoa boa vota em alguém que não presta, chego à conclusão de que a reforma tem que ser eleitoral, e não pessoal. Tudo tem a ver com acesso a informação e conhecimento, com as bolhas da internet (fakenews), estruturas de divulgação (grana de campanha), desvios nas responsabilidades constitucionais de quem exerce o mandato, imprensa, pesquisas, tempo de TV, produção de material, tempo de campanha, reeleição, e muito mais... Ah! Mas você não fala da empatia do eleitor pelo candidato? A relação eleitor-candidato é construída pelo sistema, ou,melhor, pelos erros do sistema. Vamos evoluir, e ter muito mais consciência política, quando nos interessarmos de verdade. Um sistema decente poderá, inclusive, despertar mais interesse pela política. Enquanto isso, vamos continuar com canalhas explorando a ignorância alheia. Ou você acha que o voto da pessoa que não tem conhecimento ou é facilmente manipulada vale menos do que o voto do intelectual politizado? O debate é duro e precisamos evoluir, mas aceitando nossas falhas e agindo com ações revolucionárias.
Cândido Machado analisa relação entre mídia e conservadores, criticando distância da imprensa das pautas populares.
O jornalista Cândido Machado Neto e eu nos formamos na PUCPR, à época de descobrir a política. Nas eleições para o Centro Acadêmico de Comunicação e para o Diretório Central dos Estudantes, encontramos corrupções. Urnas fraudadas inclusive. Cândido, a quem minha família e amigos próximos chamamos Kiko, é reconhecidamente uma opinião conservadora. Tem um alcance notável entre jovens conservadores. Jamais paramos de conversar sobre política, e não entendemos por que as pessoas brigam por causa dela. Nesta publicação, experimentamos um formado do jornal americano The New York Times para colunas de opinião.
Sgarbe: Kiko, poucos homens no mundo são mais carinhosos comigo que você. Talvez o Padre Paulo. Há anos, discutimos política. Lembro de falarmos sobre o papel do homem no mundo, se maior, menor, ou igual ao do golfinho. Isso lá no DCE da PUCPR. Você tem ideia do quanto você modifica meu ponto de vista?
Machado Neto: Nem imagino, meu querido amigo. Continuo tendo problemas com golfinhos. O meu ponto nestes textos pró-democracia é que eles não são democracia de verdade. Vou falar uma frase bem chula, mas que explica bem o que é a “democracia” na boca de tanta gente. “Democracia é igual piroca, todo mundo que tá com ela na boca, uma hora ou outra enfia na bunda”. Sou autor dessa bela reflexão que explica bem. As cartas pró-democracia são assinadas por pessoas que não só defendem ditaduras, mas agiram ativamente no financiamento delas. Com dinheiro público. Como é que essas pessoas podem falar de democracia? Mas não precisamos ir ao extremo, vamos falar dos coleguinhas jornalistas. Falam de democracia, mas aplaudem prisões arbitrárias, inquéritos fora de qualquer regra jurídica, perseguições e cancelamentos. Todos os dias algum apoiador do Bolsonaro ou tem conta bloqueada, ou leva alguma multa pelo simples motivo de ser apoiador. Você conheceu a Érica, que era uma professorinha de escola municipal e foi protestar em Brasília. Acabou presa por cinco meses na Papuda. Enquanto isso, em 2014 (pode pesquisar), o MST tentou invadir o STF durante uma sessão, com foice e facão, e nada, nada, aconteceu com qualquer líder. Posso citar o deputado que dentro da prerrogativa de foro foi preso. Algo inadmissível na nossa Constituição. Uma ex-presidente impeachmada que não teve os direitos políticos dela suspensos (como diz a Constituição) porque o presidente do STF na época não quis. Isso é democracia? Juízes ditando como agricultores devem plantar a soja. Aconteceu semana passada. Quem o presidente deve ou não nomear para a PF. Juízes derrubando decretos de impostos. Mexendo em matéria econômica de prerrogativa do Legislativo. E eu nem comento a pandemia, onde literalmente pessoas foram arrancadas a força das ruas, lojas soldadas com chumbo para não abrirem. Passaporte vacinal etc. Não vivemos em uma democracia mais. Quem fala isso, quem defende esta “democracia”, está apenas defendendo a sua própria ditadura. Que um dia vai morder eles também, porque o monstro do autoritarismo jurídico é insaciável.
Sgarbe: Entendi que está reagindo ao texto do Pedro Ribeiro sobre democracia e a minha pergunta. Vou deixar claro, então. Você me modifica. Acho que tem a ver com nosso grau de sinceridade. Há alguns meses, entrevistei uma mulher que hoje é candidata a deputada federal. Tem um currículo fodão. Mas ela me disse algo do tipo “a gente tem de estudar para poder tomar meia garrafa de vinho e duvidar de tudo que fez”. Ela combina com a gente. Sobre a Érica. Tive a oportunidade de falar sobre ela durante uma aula na universidade. Contei a história de um jeito que até mesmo eu me surpreendi. Você sabe que estou ao lado da liberdade. Mas voltando à política. Bolsonaro é uma espécie de Tiririca? Ele é computado como um palhaço? É razoável que alguém o veja como “um voto contra o sistema”. Parece coerente para mim. Mas uma parte da comunicação fica interrompida, logo inservível para “todos”, quando se defende que tem o suficiente para ser um presidente.
Machado Neto: Entendo seu ponto. Lembro que você falou que contou sobre a Érica na Federal. Bolsonaro não é Tiririca, nem palhaço. Bolsonaro é teu pai, meu pai, uma pessoa comum. Ele não é, e é por isso que a imprensa tem nojo dele, um social-democrata, um socialista. Porque o fetiche do socialismo é o maior fetiche da nossa imprensa. Eu vou dar um exemplo para você. Toda a imprensa disse que ele imitou, tirando sarro, uma pessoa morrendo sem ar, de Covid. Inclusive a Renata falou isso. Qual a verdade? Então assim. Temos uma mídia que é fetichista. Que acha que presidente não é o que é, mas é o que parece. A não ser que este presidente seja um simulacro de líder esquerdista como é o Lula. Uma imprensa que caga e anda para o que o povo pensa. Esses dias, olhe o absurdo. O Paulo Martins, candidato do Bolsonaro ao Senado aqui do Paraná, foi à RPC. Aí pergunta vai, pergunta vem. Uma jornalista lá falou que no referendo de 2005 o povo votou contra o comércio de munições e armas de fogo. O Paulo disse que não, que o povo votou a favor, e foi uma votação alta ainda. Ela contestou e ficou brava. No outro dia estava fazendo errata, dizendo que o [candidato a] senador estava certo. Errar não é problema aqui. O problema é a repórter ser tão descolada da realidade, tão absurdamente fora de qualquer discussão política. Enfiada em uma bolha elitista tão grande. Que ela não sabia que o povo foi a favor das armas. Sabe por que ela não sabia? Porque ela não consegue conceber na mente do Shopping Novo Batel dela uma sociedade que é conservadora. Que defende famílias, armamento civil, é contra aborto. “É um absurdo isso ser assim, são apenas extremistas”. Logo, o povo só poderia votar contra as armas, ué. Entende? O tamanho do divórcio que nossos colegas têm da população real?
Sgarbe: Acho Bolsonaro um parlamentar. Ele tinha de ter continuado no Legislativo, no meu jeito de ver. É bem o palco para muitos temas dele. Mas considero que a Presidência tenha uma função dupla, a chefia do Estado e o “coach“ do povo — risos. Eu não tenho vontade de “lutar” pelo Brasil de Ciro Nogueira, de Silas Malafaia, eu sequer acho que o Brasil seja tão importante assim, desde que Bolsonaro é presidente. Uma jornalista não soube entrevistar o Paulo Martins? Não me surpreende. O jornalismo de televisão está um tipo de morto-vivo, não sabe se é Story do Instagram, se é a maior emissora do país, se é diário de uma vida que saúda a “belíssima foto” ridícula de uma telespectadora que achou a lua bonita. Até os repórteres experientes estão perdendo a paciência com “âncoras” medíocres. Mas é esse jornalismo que estava ok com a Lava Jato. A cada flato de Moro no gabinete se fazia uma manchete. 😂
Machado Neto: Acho que Bolsonaro não é ideal em nada. Não é líder de massa, nem parece com aqueles líderes de massa intelectuais dos anos 30 tanto no fascismo quanto no comunismo. E é exatamente a vantagem dele. Bolsonaro, se fosse uma pessoa maliciosa com o tamanho da influência que ele tem sobre uma gigantesca parcela da população, se ele fosse uma pessoa ruim como diz o jornalista do sobrenome gringo genérico, ele já teria feito deste país uma ditadura. Mas quem tem feito deste país uma ditadura são justamente aqueles que dizem querer proteger a democracia. “Vamos proteger a democracia nem que tenhamos de implantar uma ditadura”, dizem.