Reflexão psicanalítica sobre culpa, violência e identidade coletiva, unindo a simbologia cristã ao drama palestino atual.
Reflexão psicanalítica sobre culpa, violência e identidade coletiva, unindo a simbologia cristã ao drama palestino atual.
Quando, às três da tarde da sexta-feira, Jesus suspira e entrega seu espírito a Deus, passamos a nos perguntar “o que fizemos?”. Para um distraído, deve ser nada além de uma culpa a mais para a coleção. Nós, freudianos, porém, compreendemos tal pergunta como a origem da civilização.
É uma questão de geolocalização, se é que me entende.
Onde estamos, exatamente, depois de termos assassinado o Criador? Se estivermos entre os que fazem a si mesmos aquela pergunta, tal qual no mito do parricídio, muito que bem. Algo assim tem potencial de nos deschucralizar. Mas se estivermos para além da fronteira da responsabilidade, estamos perdidos.
É neste último lugar que o indivíduo vibra com um Jesus que “senta o chicote” nos ladrões — sem se dar conta de que ele mesmo é o ladrão mencionado nas Escrituras. Vibra com o ultraje aos líderes fariseus, sem se dar conta de que o Mestre o ultraja no instante da leitura.
Escrevi sobre esse fenômeno, em um capítulo denominado “narcisismo das pequenas diferenças” (é um conceito psicanalítico). Em resumo, o ódio é ainda mais talentoso que o amor quando o assunto é unir seres humanos, formar exércitos, igrejas, e torcidas organizadas.
Quem abre uma bíblia impressa nos anos setenta, oitenta — traduzida por João Ferreira de Almeida, miolo rosa, cortado por um índice tátil — encontra a Palestina na seção de mapas.
Quer dizer. Até “ontem”, ninguém tinha qualquer dúvida quanto ao Jesus que matamos ser palestino. O que nos fez mudar de lado, além do dinheiro?
A filosofia de René Girard coincide com a prática cristã, quando da formação de uma religião a partir da violência, tanto quanto essa mesma violência gera a humanidade civilizada para os freudianos. Mas esse autor provoca particularmente quando o morto é Jesus. Desde que matamos um inocente, a roda da violência gira no vazio.
Se a Páscoa renova nos cristãos a esperança da ressurreição, que pudesse também renovar em todos nós alguma garantia de que, pelo menos uma vez por ano, perguntamos “o que fizemos?”.
A fotografia deste artigo, registrada por Mohammed Salem da agência Reuters e divulgada pela World Press Photo, foi a vencedora do prêmio World Press Photo do Ano. A imagem retrata Inas Abu Maamar, palestina de 36 anos, em um momento de dor profunda ao abraçar o corpo de sua sobrinha Saly, de apenas 5 anos, que perdeu a vida em um bombardeio israelense. A cena ocorreu no hospital Nasser, localizado em Khan Younis, no sul da Faixa de Gaza, em 17 de outubro de 2023.
Livro de ensaios do escritor peruano questiona raízes religiosas e políticas por trás da decadência cultural moderna.
Ainda que tenha visto o filme Pantaleão e as visitadoras (divertido e indicado!), pouco conheço dos romances de Mario Vargas Llosa, Nobel da literatura — escritor peruano que despediu-se neste dia 13.
Gostava dele! Me recomendaram fortemente uma vez A casa verde — curiosamente um professor americano. Porém, este livro da foto, repleto de ensaios, reflexões e provocações, que ganhei em 2013, li e me foi bem marcante.
Um papo-cabeça aqui: como geralmente em cursos de comunicação a gente estuda Escola de Frankfurt, aprende-se que a culpa, por assim dizer, do esvaziamento poético visto nas artes ao longo da história, da decadência estética do que se entende por belo, bem como o fim da chamada "alta cultura", seria resultado da produção em série, da busca pelo lucro em escala, da indústria cultural: em suma uma consequência do capitalismo.
Pra minha supresa, este livro me revelou um ponto de vista diferente: a questão é política, que envolve a herança de um revanchismo contra o gosto da aristocracia (ou das altas classes) desde as revoluções.
TRata-se de um repúdio crescente à sociedade tradicional, após as grandes guerras mundiais, e, na sua essência, sobretudo: de fundo religioso — afinal, na origem de todas as civilizações, em todos os tempos, justamente dos ritos religiosos advieram e se desenvolveram as manifestações artísticas.
Parte-se da busca pelo sublime, das experiências místicas, que posteriormente formaram as bases do que entendemos por culturas. Um elo que virou apenas um eco na vida ocidental contemporânea, isto quando não totalmente banido, execrado, num mundo que, ao seu ver, culturalmente, caminha rumo ao nada.
Ou, como já observamos agora, para o conteúdo gerado por inteligência artificial.
Entenda como o jogo político transforma pessoas comuns em reféns da desinformação e líderes manipuladores.
A fisionomia do jogo de poder é feia, feita de esgares e berros molhados de cuspe. A gramática de comunicação do jogo de poder é a mentira, a imposição, o grito, a insanidade. A visão do jogo de poder é opaca, concentrada nos próprios objetivos umbilicais.
Os seres que buscam o poder do controle, que buscam com frenesi conduzir os não pensantes, aumentam o tom de voz e distorcem seus gestos e semblantes – para amedrontar seus passivos seguidores, trazendo para palavras e gestos o horror do poder que ambicionam. Mimetizam-se de monstros externamente para combinar com o que habita o subterrâneo das suas não-almas.
A ação deliberada de manipulação leva multidões ao delírio, à paranoia, levando-os a acionar gatilhos de mutação de homens e mulheres comuns em seguidores surdos, cegos – massa de manobra. Bonecos de ventríloquo, animados à distância, que replicam (na ilusão de que são seus) opiniões e julgamentos do controlador.
Como consequência imediata, a dissonância cognitiva individual: justifica-se o injustificável. Um impacto sequente previsível é a dissonância cognitiva coletiva – em pouco tempo, há milhões de pessoas reféns de um ecossistema organizado de desinformação.
O choque de realidade pode mitigar, neutralizar ou anular. Quem sabe, uma sequência de desvelamento da realidade pudesse fazer acontecer o desengajamento da loucura.
O verdadeiro líder se sacrifica em nome da causa. O manipulador sacrifica a causa em nome dos seus objetivos narcísicos. O líder orienta e empodera as pessoas rumo à autonomia. O manipulador sacrifica qualquer pessoa para se safar.
Gerar ondas constantes e consistentes de informação e conscientização pode ser algo possível. Contudo, com efeitos lentos diante da celeridade da ganância dos jogadores de poder.
Enquanto isso, resta abençoar uma fugidia sorte representada pelos pensamentos e ações erráticos de alguns dos jogadores do Jogo de Poder.
Descubra como o Estado do Ego "Professorzinho" da Análise Transacional afeta nossa intuição e relações interpessoais.
Em Análise Transacional (AT), a "pulga atrás da orelha" é chamada de Estado do Ego Pequeno Professor. Uma tradução contemporânea poderia ser "Professorzinho". Essa versão soa coerente com o propósito de Eric Berne de fazer com que a AT seja compreendida por crianças.
Quando o Professorzinho está cheio de catexia, de energia psíquica, passamos a saber sobre algo que não está explícito. Diante do fato psíquico, podemos dizer: "Acho que você precisa de um abraço." E o outro responde: "Nossa, eu esperava por isso há muitos dias".
Como se trata da mente humana, há um sem número de elementos que concorrem para uma análise. Quero deixar claro que a mera existência de um dispositivo de leitura subjetiva, desse Estado do Ego, não é garantia de que a avaliação da circunstância seja a adequada, ou sequer real.
Tenho repetido uma frase arrogante de um jornalista de política que é: "É muito bom dar opinião, mas estar certo é melhor ainda." Quando o escrúpulo mínimo da condição humana existe e é ouvido pelo menos às vezes, a capacidade, digamos, profética, fica enriquecida. Tem um preço.
"O desconforto é visitante assíduo", explica minha supervisora em AT, Maku de Almeida. Conforme a qualidade das observações cresce e se descobre que o Professorzinho tinha razão desde o começo, é doloroso admitir que pessoas tão amadas ainda vivam miseravelmente.
Autora polêmica em tempos de pandemia veste papel midiático ao questionar status científico da psicanálise.
Natalia Pasternak era uma mulher ruiva que falava de coronavírus, pelo que me lembro da época da pandemia. Nos anos que em que esteve no ar, faltou-lhe o cuidado de adquirir uma câmera e um microfone adequados. Foi uma fonte do jornalismo amoldada em personagem de televisão, o que é regra geral das relações estendidas com a TV (Drauzio Varella, o médico benevolente; Caco Barcellos, o jornalista infalível; Gil do Vigor, o ex-BBB-economista estrambólico).
Não acho que aquela senhora tenha percebido que estava sendo usada no papel de professora megera (que parece desempenhar muito bem). Ela foi útil enquanto concedeu selos imaculados de “ciência” a qualquer coisa contrária a Bolsonaro (embora toda ajuda contra a ignorância daquele presidente fosse muito bem-vinda, de qualquer modo).
Não é preciso ser um gênio da infectologia para afirmar que vermífugo não é muito bom contra vírus. Além disso, não se tratava de uma discussão intelectual ou técnica, mas do enfrentamento de uma crise sanitária simultaneamente biológica e psíquica. Os enquadramentos jornalísticos, é compreensível, porque todos fomos pegos de surpresa, foram quase o tempo todo uma doença a parte.
De todo modo, desafio alguém a me apresentar um convertido às ideias de Natalia (é uma figura de expressão, não perca tempo com isso). Existe quem tenha, pelo intermédio do oráculo (hm) da ciência (hm, 2) que falava no Jornal Nacional, deixado de tomar cloroquina, ou tido a dignidade de parar de defecar tratamento precoce pela boca?
Quando a ciência é colocada no papel de deus, cuja perfeição é atributo inseparável, ela tão somente muda a linguagem de uma vivência religiosa, e, fatalmente, vira uma religião e nega a si mesma. Espera-se que a ciência seja capaz de aprimorar as Leis de Newton em Teoria da Relatividade (nesse caso da física, trata-se de uma mudança substancial).
Diante da impossibilidade de criticar a “ciência” que nos obrigou às máscaras e ao distanciamento social (não ouso defender que estava certo ou errado), sem duvidar dela, a libertação pela racionalidade é diminuída a mais uma seita.
Tenho comigo o orgulho de ter sido humilhado publicamente quando contestei a “ciência” megera da pandemia. Sofri, pode rir comigo, uma transfiguração involuntária. Apareci diante de meus ouvintes de bigodinho quadrado e uniforme da Hugo Boss. Mas isso jamais houve, nem na pandemia, nem antes, nem jamais haverá, na companhia de verdadeiras pessoas da razão. Na companhia dessas pessoas sou incentivado a duvidar de minha sombra (que anda um pouco estranha nos últimos dias, por falar nisso).
Natalia deu o passo maior que perna quando pregou em seu púlpito (o último livro dela) que a psicanálise não é ciência. Não que seja, de qualquer modo. E menos ainda que a psicanálise faça qualquer questão disso. Exceto em programas muito específicos como os encontrados na Universidade de São Paulo (USP), Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR), fica difícil imaginar a comunidade “científica”, uma Natalia da vida, dando-se ao trabalho de revisar a própria existência enquanto aplica psicanálise a um objeto de pesquisa (porque esse é um custo individual em uma pesquisa em filosofia da psicanálise).
O Brasil tem uma pesquisa em psicanálise observada internacionalmente. O país compartilha alguns fundamentos com os franceses. Faz cem anos que a tradição inglesa nega a condição de ciência à psicanálise. Essa tradição está tão inconformada que não parece haver qualquer intenção de parar de pesquisar – veja que ironia – cientificamente o que tem de ciência na psicanálise. Enquanto isso, a tradição alemã é corrigir o que considera insuficiências da psicanálise. Mas assim. Ou não aconteceu ou não está registrado um comportamento de megera.
O que se tem a escrever contra o preconceito esfomeado de Natalia está na última publicação do professor titular em Psicanálise e Psicopatologia da USP, Christian Dunker. É a última fofoca do mundo-científico-do-coronavírus. Esse grupo está para a ciência tanto quanto a cobertura da Lava Jato está para o jornalismo.
Natalia Pasternak é a Mara Maravilha da psicanálise.
Em meio a admiração e resistência, legado de Freud permanece atual e inspira formação psicanalítica gratuita.
Freud explica? Nem Freud explica? O fato é que o psicanalista de Viena não está mais vivo para dar ele mesmo as explicações que gostaríamos. Esses dias, lendo um dos livros dele, encontrei uma nota de rodapé espirituosa, mais ou menos assim: “casais podem se ligar pelo amor e pela violência. Temos que estar preparados para isso, porque nem todos seremos como aquela camponesa que reclama que o marido não a ama mais porque há duas semanas não a espanca”. A literatura freudiana está distante de ser enfadonha.
O autor é amplamente famoso, desde as comunidades psicanalíticas, passando pela academia científica, ou em projetos de leitura individuais. Para uns, um gênio sincero e generoso, para outros, um “maluco”. Para quem teve qualquer aproximação decente com a psicanálise, sabe-se, sobre o assunto anterior, que tanto faz. Para toda grande luz existe sua igualmente grande escuridão correspondente. E, combinemos, não se deve jogar o bebê com a água do banho. “E tá tudo bem”, diria sorrindo a psicanalista Áurea Moneo (na imagem a seguir). Ela é professora de psicanalistas em formação, e supervisora de quem atua como analista.
Vinícius Sgarbe: Querida Áurea, penso que há um poder descomunal na psicanálise, bem como em qualquer outra coisa em que se acredite com firmeza. Às vezes, encontro na internet frases atribuídas a Freud que certamente ele jamais disse ou escreveu. Mas pouco ou nada me afeta, porque não sou tomado por ciúmes. Penso que nesta altura do campeonato toda ajuda é bem-vinda. Além do mais, Freud não me paga para eu ser fiscal da marca dele — risos. Conte-me, minha amiga, que pé que está sua psicanálise?
Área Moneo: Querido Vinicius, acredito que tanto tempo depois e continuar a ser tão lembrado, sendo a ele atribuídas diversas falas, a maioria delas típicas da nossa contemporaneidade, é claro sinal de seu brilhantismo. Talvez um dos poucos ícones que mereça tanta reverência, tanto dos que o odeiam, por não se permitirem admirar, como daqueles que o admiram de fato. Segue, mais vivo do que nunca, em nossa memória. E, em tempos de construção de narrativas, segue alimentando desejos do inconsciente, validando falas de autores anônimos.
Para se tornar um psicanalista não é preciso muito mais que uma curiosidade irremediável por pessoas. Isto é, o que move uma formação é a investigação da própria vida, onde tudo começa, e depois dos cenários em volta de nós, que frequentemente, senão sempre, estão cheios de “outros”.
Em linhas gerais, Freud é um ponto de partida, uma cartografia para se explorar a sabedoria e a ciência. Se Freud é a última palavra? Óbvio que não. Se outros autores são bem-vindos? Depende do autor — risos —, mas são apreciados, claro.
Nesta quinta-feira (11), e na quinta da próxima semana (18), às 19h30, o Illumen, um centro de formação em psicanálise clínica, promove aulas magnas da formação psicanalítica. A primeira tem o título "Autoconhecimento: visões da psicanálise", apresentada pela professora Anamaria Racy. No dia 18, Áurea Moneo fala sobre “As emoções e o adoecer”. Os participantes devem se inscrever no link abaixo. Vai ser on-line e de graça. Para saber mais sobre o Illumen, acesse o site.
Diálogo produtivo entre comunicação e filosofia enriquece pesquisas científicas e melhora compreensão social.
Apresento algumas considerações à discussão sobre transdisciplinaridade. Elas são sediadas no desenvolvimento de duas pesquisas científicas realizadas em campos diferentes, a saber filosofia e comunicação. O assunto pode ficar interessante.
De um jeito simples, transdisciplinaridade é quando campos distintos da ciência colaboram mutuamente. Mas não somente influenciam ou são mencionados, trabalham juntos e se modificam. Exemplo: é o caso da artista Ana Bellenzier ter pesquisado arte (um campo) na geografia (outro campo). Voltemos as minhas impressões.
Minha primeira pesquisa passa pela recepção da comunicação política na filosofia da psicanálise. Esse acúmulo de palavras pode fazer soar menos simples do que é: estou fazendo uma psicanálise da democracia digital do Brasil (são conclusões preocupantes).
A filosofia contemporânea tem se permitido prestar atenção na vida política, e eu anotaria que a partir de abordagens notadamente pragmáticas. O uso eleitoral da religião no Brasil e a pandemia de Covid-19 são exemplos temáticos. É uma oportunidade para analisar o tempo presente.
Nesse contexto, psicanalisar a relação do eleitor brasileiro com a política é bem-vindo para a filosofia. Até porque há autores comuns da filosofia, política e comunicação, como é o caso de Flusser e de Habermas. Essa fluidez constitui uma ponte para a comunicação.
A conversa dos campos científicos filosofia e comunicação tem se mostrado rica e promissora. São campos conexos, embora suas constituições históricas estejam distantes cerca de dois mil anos.
Minha segunda pesquisa é sobre a comunicação de eleitores críticos do Supremo Tribunal Federal e dos ministros da Corte. Embora a pesquisa em comunicação seja uma consequência da filosofia, da ciência política, etc, ela agora está estabelecida como um campo próprio.
É quando nos perguntamos: o que tem de comunicação nessa pesquisa em comunicação? O que ela tem de diferente de uma pesquisa na sociologia ou na psicologia? As respostas a essas perguntas podem fazer a comunicação e a filosofia se parecerem bastante. Por quê?
A característica mais marcante do campo comunicação é que ele é uma espécie de espaço intermediário, um vão livre, em que todas as contribuições sobre comunicação são bem-vindas (menos a opinião de influencers — risos). E a filosofia se sente muito à vontade em espaços assim.
Filósofo explica diferenças e semelhanças entre ética e moral, esclarecendo conceitos tradicionais e populares.
Um "moralista" pode causar frio na espinha. O termo está desmoralizado para alguns de nós. Porém, aquele que é um moralista por ofício, um filósofo moral, não é necessariamente um hipócrita fanático. Veja: para uma linha de pesquisa, "moral" e "ética" são sinônimos. Isso é algo.
Em seu segundo livro, Dr. Gustavo França trata da constituição da moral, ao debater quanto dessa constituição é resultado de rompimentos ou continuidades. Neste episódio de Sgarbe Notícias do Dia, o papo está bom.
Para França, "todas as sociedades tiveram moral. Aliás, uma coisa que as pessoas nunca precisavam foram dos filósofos para ensinar moral para elas. Mesmo eu, nunca precisei disso. A minha moral não vem de Aristóteles, nem de Kant, vem da minha mãe, da minha avó".
Aos 93 anos, Habermas analisa o papel das plataformas digitais e reflete sobre desafios da mídia tradicional.
Em artigo recente, Jürgen Habermas escreve "Reflexões e hipóteses sobre a transformação estrutural ulterior da esfera pública política". Ele é autor de uma filosofia que serve a diferentes campos de pesquisa. Aos 93 anos, acrescenta a plataformização às considerações anteriores.
Companheiro de grupo de pesquisa, Dr. Nilton Kleina brinca que, pela idade avançada e ainda escrevendo artigos, "isso é precarização" — risos. Seja como for, o texto defende claramente, categoricamente, que as plataformas devem se responsabilizar pelos conteúdos nelas publicados. A discussão dá pano para manga, e ensaiamos os primeiros pontos da costura.
Habermas (2022) define uma "mídia tradicional" e uma "nova mídia", basicamente, sendo a primeira responsável pelos conteúdos, e com certo compromisso com a cognição e a estética, e a segunda marcada pela internet, fragmentação do palco público, e plataformização.
No cenário analisado por ele, a mídia tradicional espera por cada vez menos leitores de jornais e revistas, desde o aparecimento da televisão. Isto é, não é exatamente uma novidade que o impresso venha encolhendo a cada ano. Ainda assim, a televisão é mídia tradicional.
A internet e as plataformas concedem aos usuários possibilidades de publicarem o próprio conteúdo — idealmente sem censura prévia, e com igualdade de acesso. Esse anunciado já encontra adversidades práticas — por fatos amplamente conhecidos. Agora, algo pode nos incomodar mais.
Sob observação filosófica pelo menos desde 1962 (ano de lançamento de "Mudança estrutural"), Habermas agora vai à depredação do Capitólio. Ele argumenta que, embora os motivos aparentes sejam insuportáveis, o causo é produto de décadas de insatisfação do povo dos Estados Unidos com a política. Desconfiar de políticos e da imprensa também ocorre na Alemanha, e há efeitos similares em toda a Europa.
Por analogia, a crise no jornalismo (evitadores, menos publicidade, má fama) pode ser uma revolta, em resposta às palavras que exageramos, aos atos que não denunciamos, e às omissões cruéis que fizemos em nome do bem.
Público e anunciantes ficaram longes de nossas mesas de pauta, mas isso você também sabe. Longes o suficiente para entenderem que não precisam de nós, ou que de nós querem se vingar, tal qual um soberano imaterial que deixou de os servir. Eles podem, entretanto, querer-nos sem precisar-nos. De todo modo, para a audiência do broadcast, jornalistas e jornalismo não são inculpes.
É urgente para nós explicitar que políticos e jornalismo podem compartilhar do desgosto dos eleitores, mas o Estado banca a política, enquanto o jornalismo é atravessado por necessidades de mercado no mínimo desleais.
Arguimos que o jornalismo esteve e está pronto para produções editoriais (notícias, investigações, debates, opinião, documentários, etc) com valores basais de técnica e de formação humana. É preciso diferenciar: jornalismo é jornalismo, partido político é partido político.
O comportamento das empresas tradicionais de mídia diante do cenário carece de mediação. Poderiam optar por uma cruzada contra as plataformas, o que traria resultados temporários, ou encontrar, em conjunto com as plataformas, um jeito de desatar o nó. E de empregar jornalistas.
Entenda por que a visão desconfortável de Freud sobre narcisismo ainda nos provoca e mexe com nosso inconsciente.
Narcisismo é, para uma definição simplificada, a tira-roupa, dependência de provisão do objeto. Ainda para a psicanálise, o narcisista faz dele mesmo o próprio objeto. Quando isso é levado às últimas consequências, o indivíduo pode até mesmo adoecer (a ele, e ao sistema).
Em um mundo de pós-verdade, um mundo pós-moderno, há certo apreço social pelo que é capaz de amar a si mesmo. Hollywood e Instagram são pregadores do “jamais desista dos seus sonhos” (na boa, às vezes, desista). Mas tudo bem.
Lá em Viena, um século atrás, Freud nos deixou a patifaria de relacionar narcisismo e homossexualidade. Iche. Daí se acerta “na rosca”, como nos avisa o escritor Luca Rischbieter sempre que pode.
Você poderá contra-argumentar que “para a sociedade vienense do começo do Século 20, a homossexualidade era tida como uma doença, então Freud não pode ser julgado com os rigores do agora”. Bem. É exatamente isso aí que estou tentando dizer.
Se a leitura de Freud for levada a “ferro e fogo”, o leitor corre o risco de perder o melhor da teoria. Mas como assim? Hipoteticamente, vamos assim para não assustar, o indivíduo tem um mundo submerso dele mesmo, que nem mesmo ele acessa, o inconsciente.
Ocorre, porém, que uma parte significativa, senão tudo, das decisões do indivíduo são tomadas no inconsciente. Eventualmente, mas não raro, aquele que estabeleceu para si mesmo um objeto que é ele próprio pode ter dificuldade de contribuir com a comunidade.
Sem contar que, claro como o cristal, uma vida que mantenha o apaixonamento, vamos chamar assim, apaixonamento, por si mesmo a ponto da incapacidade de reconhecer o outro, termina também em divórcios, misérias, suicídios.
O inconsciente, o Isto, aquelas experiências viscerais, tudo aquilo que está formado ao longo dos anos, e muito bem escondido, precisa de certo esforço para ser conhecido. Uma das técnicas da psicanálise é xingar a mãe (risos).
O narciso do mito, aquele que admira a si mesmo, poderia, então, ser “provocado” pela relação que se faz em Freud entre a turma do “eu mereço tudo, e estou acima de tudo” com “vai procurar uma rola”?
Visões opostas sobre a vida e a morte afastam protestantismo fundamentalista e teoria psicanalítica no Brasil.
A psicanálise não reclama uma cadeira na universidade. Isso não quer dizer que não seja assunto de pesquisa. Não à toa, a filosofia brasileira da psicanálise tem escuta em muitas partes do mundo. Agora mesmo, em um seminário sobre teologia pública na Universidade de Edimburgo.
Mas o que tem a ver teologia pública com psicanálise? Bem, essa é uma história que pode ser contada de muitas maneiras. Antes, seria preciso definir o que é teologia pública, ou até mesmo uma teologia democrática. Basicamente, temos de olhar para o uso político da religião.
Sem escrúpulos desnecessários, sejamos diretos já. O caso brasileiro que é destaque na Escócia passa pelo levante evangélico na defesa de Bolsonaro. Entendemos que a religião, muito longe de ter sido substituída por um primado da razão, como queria Freud, é parte inextinguível.
Ocorre que duas coisas, digamos, conflitantes, têm origem mais ou menos na mesma época do pós-Primeira-Guerra. Uma é a versão psicodélica do cristianismo protestante, cujos seguidores acreditam que o mundo vai acabar depois de um "arrebatamento". E outra é a psicanálise.
Essas duas visões de mundo são propostas de solução para o problema da morte. Ambas são motivadas pela mesma coisa, o medo da morte, embora cheguem a conclusões totalmente diferentes, e, repitamos, conflitantes.
Para um evangélico daquela estirpe, é razoável dizer a uma criança sobre masturbação ser pecado, ao mesmo que Freud e a psicanálise são malditos. E, confessemos nossos pecados, irmãos e irmãs, um psicanalista terá dificuldade de levar um evangélico a sério. Preconceito recíproco.
Mas apesar disso, em 2023, é fácil atribuir voto de confiança ao grupo que está menos errado.
Seminário internacional debate impacto religioso em eleições brasileiras e relação entre poder político e fé.
Teologia pública é o tema de um seminário internacional da Universidade de Edimburgo. Ele é conduzido pelo Dr. Ulrich Schmiedel. O caso brasileiro do uso da religião para fins políticos é abordado pelos pesquisadores Dra. Magali Cunha e Dr. Rudolf von Sinner. Destaco uma fala dela que combate o preconceito contra protestantes. Tidos por alguns segmentos como operadores principais da contaminação entre estado e religião no Brasil, há registros históricos de que tal contaminação existe antes das igrejas evangélicas.
Professora assistente de estudos religiosos da Universidade das Religiões de Qom, no Irã, a pesquisadora Dra. Fatima Tofigui trata da diferença entre "influência profética" e califado. Para a primeira, a relação com mundo invisível é principal, enquanto para o segundo, embora sediado em palavras proféticas, o resultado da vivência é o poder material.
O debate central da apresentação de Dra. Fatima é legitimação da autoridade política baseada em palavras proféticas. Um dos autores trazidos por ela, Mohammed Iabal, defende o islamismo como “experiência religiosa” similar a outras fora do islã. Seu significado, portanto, estaria restrito a uma experiência individual. Esse ponto tornaria a manutenção de uma democracia inspirada no divino mais difícil.
Nos anos 60, autores chegaram a escrever sobre teologia e a Causa Palestina, o que cessou de lá para cá.
Minha contribuição para o seminário é a seguinte. Provocado pelo Dr. Schmiedel, experimentei uma definição do que poderia ser “teologia pública”. Traduzo para o português, logo abaixo.
Public theology can be described as the amalgamation of the concepts of State, democracy, and spirituality. Nevertheless, it is crucial to inquire about the aspects that differentiate public theology from a theocratic state. In countries where religion holds a dominant position in the government, the term "public theology" may not be applicable as the prevailing theology is intrinsically associated with a specific religion. Hence, such theology cannot be categorized as public. Consequently, public theology belongs simultaneously to the State and the various spiritual experiences. Moreover, public theology is intimately connected to collective sentiment, which concerns the establishment of communities and the regulations that govern these communities (revisado por Karine Porto Lopes Ono).
A teologia pública pode ser descrita como a fusão dos conceitos de estado, democracia e espiritualidade. No entanto, é crucial indagar sobre os aspectos que diferenciam a teologia pública de um estado teocrático, por exemplo. Em países onde a religião detém uma posição dominante no governo, o termo “teologia pública” pode não ser aplicável, pois a teologia prevalecente está intrinsecamente associada a uma religião específica. Portanto, tal teologia não pode ser categorizada como pública. Consequentemente, teologia pública pertence simultaneamente ao Estado e às diversas experiências espirituais. Além disso, a teologia pública está intimamente ligada ao sentimento coletivo, que diz respeito ao estabelecimento de comunidades e aos regulamentos que governam essas comunidades.
As professoras Dra. Kelly Prudencio e Dra. Carla Rizzoto, em 2017, promoveram o seminário "Mobilização da opinião pública", na Universidade Federal do Paraná (UFPR). Nele, a Teoria do Reconhecimento e suas derivações levaram a discussões imprescindíveis à pesquisa em comunicação que antecedeu os fenômenos políticos de 2018. Foi uma espécie de último fôlego racional antes da quebradeira que teve inúmeras vezes centralidade na religião.
Qual é a religião de Jair Bolsonaro, por exemplo? É sabido que o ex-presidente tomou um lado para si, e o salientou pela performance da ex-primeira-dama Michelle.
De quem é a responsabilidade pela contenção da violência contra a mulher senão dos homens? De quem é a responsabilidade contra o racismo senão dos brancos? De quem é a responsabilidade contra o fascismo senão dos fanáticos? E como persuadir homens, brancos, e fanáticos senão falando com eles? Esse é, para mim, o dilema do meu século.
Considero os seguintes versos de Vinicius de Moraes apropriados para este artigo.
Digam-lhe que estou tristíssimo, mas não posso ir esta noite ao seu encontro.
Contem-lhe que há milhões de corpos a enterrar
Muitas cidades a reerguer, muita pobreza pelo mundo.
Contem-lhe que há uma criança chorando em alguma parte do mundo
E as mulheres estão ficando loucas, e há legiões delas carpindo
A saudade de seus homens; contem-lhe que há um vácuo
Nos olhos dos párias, e sua magreza é extrema; contem-lhe
Que a vergonha, a desonra, o suicídio rondam os lares, e é preciso reconquistar a vida.
Façam-lhe ver que é preciso eu estar alerta, voltado para todos os caminhos
Pronto a socorrer, a amar, a mentir, a morrer se for preciso1.
Há alguns dias, ouvi de um bolsonarista: "estou para acreditar que o bolsonarista é pior que o petista". Ao que respondi, "com certeza o petista é pior".
Reflexão associa fatalidade por estresse emocional à política contemporânea, alertando para limites das paixões.
Uma mulher que conheci morreu por não conseguir controlar os nervos. Na noite mórbida, discutiu até perder o fôlego, gravou a briga com o celular, foi para o hospital em uma ambulância, e o coração parou. O nome dela virou uma lápide. Por uma vida, não pôde se curar da neurose.
Sinto uma pena triste quando lembro dela, e do papel que ocupa nesta história. Ser lembrada, imaginem, pelo grau mortífero de obstinação, por levar às últimas consequências a pertinácia de conformar o mundo fora dela ao mundo dentro dela. Fracassou miseravelmente.
A política me faz lembrar desse comportamento, em um bom sentido e em um mau. Bom quando se quer que padrões individuais melhores sejam expandidos para nossas famílias, e comunidades. Muito mau quando o mundo da gente é uma porcaria e o queremos validar a qualquer preço.
As eleições não vão nos trazer a paz que buscamos tão incansavelmente (ainda que aparentemente ajamos em sentido contrário a maior parte do tempo). Lula e Bolsonaro são, digamos, porta-vozes de mensagens que seguramos para ter o que dizer, defender, indignar. E depois?
Nosso vórtice político precisaria deixar de ser um vórtice, para se tornar um ar fresco que nos alivia a vida em comunidade. A vida cultural, na qual está a política, existe para nos protegermos das forças da natureza, e para constranger os preguiçosos.
Quanto a nós que trabalhamos, haveria pouco que nos interessasse na vida dos outros que não a escolha de personagens psíquicas, matrimoniais, ou variações. Porém, fazemo-nos reféns de nossas violências, e não temos solução para o fenômeno. Somos iguais a um Deus controverso.
Esse pequeno animal que vive dentro de cada um de nós, essa memória primitiva quer morder, estraçalhar, matar, quer discutir até morrer do coração. Nossa paz não pode depender de política, tampouco de medicina, ou de filosofia. A paz, eu acho, é muito parecida com a fé.
Pesquisadores da PUCPR lançam livro com reflexões incisivas que conectam filosofia, psicanálise e vida cotidiana.
Em via de ser publicado, o livro Filosofia, Psicanálise & Contemporaneidade (vol. II) é uma leitura que tende a surpreender os que se habituaram a certa pasteurização cultural. E nos referimos diretamente a uma tendência de simplificação que chega a ser comovente, de tão banal. Mas, no nosso livro, não!
Nós, pesquisadores da linha Filosofia da Psicanálise da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR), escrevemos ensaios com análises, interpretações, tensionamento de teorias prestigiadas, e oferecemos (com excessão do texto do Sgarbe, do meu próprio) uma experiência literária deliciosa.
A seguir, alguns trechos do que está por vir.
A começar pelo trabalho do pesquisador Jeferson Costa. Ele é a força propulsora do livro. É quem não somente teve a ideia da publicação como também é a peça que liga os autores. Quanto ao uso filosófico da palavra “libertinus”, ele explica, “partimos da hipótese de que este sentido libertário se conservou, ao menos no interior dos contextos que abordaremos no escopo deste trabalho”. Jeferson Costa, coautor de “Filosofia, Psicanálise & Contemporaneidade (vol. II)”:
Libertinus é uma palavra de origem latina que indicava a condição de uma pessoa alforriada, ou seja, de alguém que trabalhou forçadamente para outra pessoa. Libertinus era uma categoria, sendo assim, que fazia referência às pessoas que se tornavam livres depois de terem sido escravizadas ou servilizadas por pessoas consideradas livres por nascimento. A categoria utilizada para indicar tais pessoas livres por nascimento era ‘Ingenuus’. Portanto, a categoria libertinus passou a definir a ação que visava metaforicamente a quebra das correntes ou a resistência às normas. Era assim que cristãos regrados definiam os desviados. Trata-se de um combate à ingenuidade, tanto em sentido lato como em sentido corrente.
Já Julio Fachini descreve uma relação peculiar do ato fundador da civilização. Ele trata da cumplicidade dos irmãos de sangue que assassinaram o próprio pai. Julio Fachini, coautor de “Filosofia, Psicanálise & Contemporaneidade (vol. II)”:
Os irmãos, unidos pelo ódio comum, matam o pai, e celebram o feito com uma refeição, na qual o cadáver do pai é o alimento, devoram-no ‘cru, carne, sangue e ossos’ (FREUD, 2012, p. 214), em um rito canibalístico que sela o espírito de igualdade através da cumplicidade pelo ato.
Quanto a mim, fui a Freud com novas perguntas sobre o mal-estar vivido na democracia contemporânea, com a generosa orientação de Dr. Francisco Verardi Bocca.
Escrevi coisas que, francamente, devem divertir a maioria de nós. Minha contribuição:
Podem ser estranhos os graus de segurança factual nas ciências humanas, porque relativas, incontidas, carentes de pequenos e grandes caminhos escolhidos unicamente por quem escreve. No fim do dia, tem-se um humano comum, que acredita em coisas que até Deus duvida, que pode não estar nem aí para a técnica científica, que dirá para Freud e uma concepção de universo que não considere a necessidade de Nosso Senhor Jesus Cristo para o que é unicamente humano e terreno.
Há muito mais autores, que logo chegam. Assim que o livro estiver prontinho para ser lido, criticado, negado, citado, e outras coisas da índole dos livros, eu aviso.
Sgarbe reflete sobre Freud, sugerindo que o mal-estar precede teorias e que nem tudo precisa virar conteúdo.
Na primeira terapia que frequentei na vida, com o psicólogo e professor de logoterapia Guilherme Falcão, acreditei que “uma aproximação com a ciência pode ser muito perigosa, enquanto um mergulho profundo nela não”. Eu tomei esse conselho por verdade.
Faço esse “abre” para defender que Freud e a visão unilateral, vienense, eurocêntrica e centenária dele podem soar estanhos quando vistos de longe. No fundo, acho que a psicanálise serve a alguns tipos de mulheres e homens como servem a pornografia e a conspiração a outros.
Encontro na literatura freudiana um contorno em palavras para coisas que eu já tinha descoberto por experiência própria. Não tem nada de novo, “não nos surpreende em nada”, como ele gosta de escrever. Mas é, sim, um alívio em um mundo que insiste em simplificação.
Falar idiomas, clareza no discurso, lead jornalístico, até mesmo os pitches de startups, tudo isso serve à comunicação social, mas não necessariamente à comunicação. Defendo que para certos aspectos da vida, o que não é publicado especialmente, um tanto de repertório é bem-vindo.
O azedume de Freud em “O mal-estar na cultura”, por exemplo, seria capaz de gerar mal-estar no leitor? Claro que não. Acreditar que esse tipo de leitura “dá ideias” ruins é uma ideia ruim. O fato é que é uma biblioteca plural, rica, dá conta de desfazer eventuais excessos.
Semana passada, um amigo próximo me disse para não dar tanta importância ao que se defende não somente a ciência, mas na racionalização como um todo. E faz sentido, porque a vida pode ser um pouco mais gelatinosa, no excelente sentido de molinha, doce, colorida.
Artigo explora ligações entre jornalismo, psiquiatria e comportamentos sociais, abrindo novas perspectivas na comunicação.
Aceitei o desafio feito pela Dra. Ana Babrilla para conversar estes dois assuntos: jornalismo e psiquiatria. A comunicação política na América Latina tem se inclinado à essa interseção, por exemplo o livro que o jornalista chileno Dr. Felipe Vergara Maldonado escreve com uma amiga europeia da psicologia.
Na ocasião do “I Seminário Avançado de Comunicação Política”, na Universidade Federal do Paraná (UFPR), perguntei a Maldonado sobre qual abordagem da psicoterapia se incluía na pesquisa dele. Ele não soube responder, o que é uma resposta.
Da psicanálise que não dá pé (de tão profunda) à simplificação das teorias comportamentais, é difícil ligar jornalismo de lead americano a questões psíquicas. Não é impossível. Mas é difícil porque a vastidão convida a conclusões precipitadas, como conferir a alguma figura pública o diagnóstico de presidente fraco da cabeça.
As metodologias herdadas das ciências sociais, tal qual as análises do conteúdo e do discurso, não seriam suficientes para explicar fenômenos comunicativos? Sim e não. Se fosse exclusivamente sim, este artigo seria inútil.
Sim, porque com tais recursos se pode descrever uma multidão de emoções e sentimentos. Não, porque pode faltar às pesquisas de comunicação aspectos ainda mais profundos, capazes de tornar os contornos dos objetos mais nítidos.
Quando Sigmund Freud traça um paralelo entre as visões de mundo registradas na história e a formação da psiquê individual [do neurótico], ele nos faz olhar para animatismo, animismo, religião e ciência.
Embora o animatismo ganhe um nome exclusivo, ele é frequentemente entendido como fase pré-animismo. Do pré-animismo até a religião, tratamos, em maior importância, de explicar o mundo sob a “onipotência do pensamento”. Aliás, o que, justamente, divide as duas primeiras fases é a terceirização de entendimentos do indivíduo, na figura dos espíritos, quais sejam anjos e demônios. Feitiçaria e magia ficam neste parágrafo.
Quando são evocadas essas visões de mundo, Freud usa os registros que o antropólogo James Frazer fez dos povos totêmicos, os aborígenes da Oceania.
Julio Fachini, pesquisador de filosofia da psicanálise:
Como observação, cito que Freud identifica o totemismo em povos melanésios, polinésios, africanos e americanos, além de traços do totemismo em diversas outras culturas ao redor do planeta. Para Freud, assim como para Frazer, e outros dos antropólogos citados em Totem e Tabu (1913), os traços, vestígios e heranças do totemismo parecem possuir um caráter mais próximo do universal do que limitado à povos aborígenes australianos.
É mais ou menos assim: o que a espécie humana vivenciou no cruzar da história, serve de metáfora para a formação pessoal. Quer dizer, existe um “pequeno aborígene” em cada pessoa, assim como existe um “religioso” e um “cientista”. Bem bem mais ou menos assim. Os neurocientistas de best-sellerexplicam com reptiliano, límbico e neocórtex. A análise transacional tem uma ideia genial com Estados do Ego Pai, Adulto e Criança.
Mas é somente na fase científica, na última, que se percebe a realidade ao redor e se conforma com ela. É quando deixa-se de fazer o Sol girar em torno da Terra.
A partir daqui se poderia discutir o que é pós-verdade. O termo tem sido vulgarmente explicado como o interesse emocional e sentimental associado a uma palavra ou a um texto. Pelo viés psicanalítico, não se trata de absolutamente nada novo. Triste do jornalismo que não prestou atenção antes.
Falta ainda mencionar que a audiência do noticiário está drogada, como se pode comprovar pelos traços de cocaína no esgoto de Londres ou de antiinflamatórios e antidepressivos na latrina curitibana.
A França discute dia-sim-dia-não a “pedopsiquiatria”. À época de pandemia de Covid-19, o governo de lá deu dez sessões de terapia para cada criança ou jovem entre três e 17 anos.
Tem algo a se pensar sobre comportamento do público, não?
WandaVision surpreende com narrativa profunda ao explorar luto, fantasia pessoal e conflitos emocionais universais.
O seriado WandaVision me pegou de surpresa positivamente. Isso que tenho contra os filmes de herói (coisa de conservador), porque me exigem ter um conhecimento que não tenho sobre as personagens e por frequentemente aderirem ao lobby da epilepsia, com flashes luminosos e efeitos sonoros retumbantes.
Gostei da entrega semanal, o que me faz esperar pelo próximo episódio, contra a tendência do maratone indefinidamente. Toda sexta sai um novo no Disney+. Essa quebra de padrão me faz prestar mais atenção na trama.
Resumidamente, um mundo é criado por Wanda, com base nas experiências dela criança. Tudo está em função da criadora, ela vive na fantasia das próprias vivência e crenças. Ora, a provocação é que o indivíduo não-herói faz a mesma coisa, ou não?
Ou mais. Ela é estimulada a desfazer a ficção que vive porque afeta não somente a própria vida mas as de quem está próximo dela. Chega a ser doído pensar nisso, ou não?
Uma das emoções que a televisão pode provocar é o choro. Chorei abundantemente, molhadamente, silenciosamente, ao assistir Monica Rambeau (Teyonah Parris) atravessar uma tigela magnética e se desfazer em inúmeras dela mesma, uma metáfora visual que me aproxima da realidade dos Estados do Ego, dentre outras percepções da quantidade de tempos dentro de uma única pessoa.
WandaVision me traz um olhar sobre o Universo Marvel que nenhuma outra obra tinha tido sucesso de trazer. Arte que é, caminha pelo sombrio, pelo luto, pela despedida.
Reflexão sugere que pesquisa exclusivamente racional limita compreensão da realidade, ignorando aspectos emocionais.
Nas aulas de sociologia do Ensino Médio dos anos 2000 para cá, é provável que se tenha ouvido falar no “positivismo” de Auguste Comte (1798-1857). Bem basicamente, ele defendia que teríamos — você e eu — chegado a um nível racional que funciona exclusivamente no “agora”.
Para ele, as imaginações, as fantasias, teriam dado lugar aos “fatos” científicos. É aí que ele fica de um lado, e Sigmund Freud (e eu) de outro.
No entendimento freudiano, embora tenhamos chegado à camada “científica” de desenvolvimento, as coisas do ontem (em termos de evolução da espécie) fazem parte, sim, da vida. É o que chamamos de “fase anímica”. O que aprendemos caçando o almoço ou coletando frutas, lá no “Jardim do Éden”, está dentro de nós e em atividade.
Sabe quando você explica “racionalmente” algo para alguém, e parece que está falando com uma porta? Às vezes, desconfio seriamente tem a ver com a vida “anímica” do interlocutor. É quando a gente “sente” as coisas em vez de pensar sobre elas. Faço diariamente, quem sabe agora mesmo neste post.
Texto reflete sobre superar traumas pandêmicos, sugerindo inspiração na arte e na reconciliação como caminhos.
Das coisas que li neste ano, uma afirmava que somos uma geração que se ferrou bastante. Sabe como é a coisa egoísta, grudou em mim então acho que é verdade. Tinha a ver com as sucessivas pestes econômicas e virológicas. Não acho que eu tenha sido o único a ver uma carreata de veículos oficiais de sirenes ligadas com uma mensagem no repeat: “não saia de casa”. “Isolamento social” em vez de “distanciamento físico” é uma pulga atrás da orelha. O mundo não acabou foi por pouco.
Ontem mesmo, quero dizer, na ampla amplitude da história, ginásios de esportes se tinham transformado em necrotérios, chegaram a falar que em Manaus pessoas tinham morrido sem ar. Do Ensino Médio guardo comigo uma amiga, queridíssima Stella, amaldiçoada a trabalhar na área da saúde, de quem li “você pode até acreditar em Deus sem reservas até ver alguém morrer sufocado”. Aos que têm fé, tenhamos fé apesar do texto do profeta Jeremias.
“Se estiverem condenados a morrer, vão e morram; se estiverem designados para a guerra, vão e sejam mortos; Se estiverem designados para morrer de fome, vão e morram de fome; se estiverem designados para o exílio, vão para o exílio!”
Tenho a impressão de que de tempos em tempos Deus nos entrega ao pior de nós, porque, de algum modo, isso tudo saiu da cabeça dele e sabe como é a coisa egoísta. Mas é uma leveza que os grandes movimentos de arte, as vanguardas, sejam resultado do que superamos no papel de humanos. Na história da arte, belezas incríveis nos serviram de alívio para as dores da mortandade.
Em 2021, xinguei de um modo violentamente violento um número numeroso de pessoas que me fizeram sentir mal. Acho que foi um passo importante no meu jeito de ver as coisas. “O que não vira palavra vira sintoma”. Já que a pimenta tinha de arder em algum rabo que não fosse no meu. Mas este parágrafo é um pecado e não uma infâmia. E é assim que eu me sinto gente de verdade: “perdoe-me, porque eu estou aprendendo”. Quem sabe façamos, você e eu, livros e filmes a partir dessa ideia de reconexão. Um amor próprio arrebentado é melhor que pular da janela.
No fim das contas, no fim do dia, no fim dos tempos, o que conta é a maneira como tratamos as pessoas. E, graças a Deus e ao trabalho de amigos de verdade que eu poderia listar eternamente, entendo que não se trata de ser o bobo da corte, embora para os japoneses o palhaço seja o mais inteligente que existe, porque é capaz de envolver a todos.
Comunicação é o que se tem no já, no agora. Não vou ser outra coisa agora que eu já não seja desde sempre e para sempre. Chego à conclusão de que sou um péssimo teólogo e um filósofo ainda pior. Mas garanto, meus irmãos, que pedir perdão é o que coloca meu rio no curso quando estou perdido. “Mas eles estão nos matando!”. Então, vá até eles e peça perdão. Vá até eles com o convite da exposição.
Reflexão filosófica critica exposição exagerada e defende retomada do sublime frente à vulgaridade na internet.
A infodemia é uma desgraça adjunta da Covid-19. Para a Organização Mundial da Saúde (OMS), a ignorância quanto à utilização de vacinas pode significar vida ou morte.
Mas se pode tensionar um pouco essa questão, porque navegar pela internet equivale a lamber o chão de uma UTI purulenta.
Nossas almas podres se tornam preocupação da psicologia social, pela qual se pode classificar parte de nós como falecida. E quem está vulnerável?
Perto do Instagram, o Xvideos é ingênuo. Estou em meio a uma leitura embaraçosa do livro “Sociedade da transparência“, do filósofo Byung-Chul Han. Inicialmente, pensei que, pelo título, ele me levaria a garantir as bandeiras da sociedade civil organizada quanto à publicidade de gastos públicos, ou algo nesse sentido. Mas, não.
O autor passa longe de discutir política diretamente, e me faz refletir sobre o quanto rasas são as imagens que acesso nas redes digitais.
Lembremos que é uma discussão filosófica. Se todos forem transparentes, logo, todos são iguais no ser transparente. A exibição é a produtificação, a mercadoria é um ser humano.
Quando me recomendaram assistir ao documentário “O dilema das redes“, fiquei com uma preguiça danada. Tudo que eu “tenho” que assistir, que eu “não posso perder”, é frequentemente uma hipérbole da geração do milênio para uma coisa qualquer. Batata.
Eu me pergunto sobre a candura de quem não viu o Google começar o desenho das bolhas sociais quando passou a apresentar resultados diferentes para os mesmos termos de busca. Uma forma menos alombada do que viria a ser o algoritmo do Facebook – um tipo de molho especial americano que ninguém sabe a receita.
Sem a insolência de uma recomendação moral, mas em um movimento pela volta do sublime, penso que seríamos mais felizes em 2021 sem encontrar na internet mulheres experimentando chá de cookies.