Resiliência das coisas próprias à reportagem

Pandemia impõe ao jornalismo desafios inéditos, acelerando digitalização e ampliando rotinas remotas das redações.

Vinícius Sgarbe
5 min read

O processo de transformação digital se impôs às redações jornalísticas com mais força desde o início da pandemia. Gestores enfrentam mudanças empresariais junto ao desafio de noticiar um período político e sanitário singular.

A plataformização como estratégia de negócio, em substituição ao antigo pipeline, vinha sendo implementado, ainda que com outros nomes, desde a criação dos sites de notícias dos jornais e emissoras. Os publishersentenderam com razoável rapidez que as redes digitais populares tinham, do ponto de vista dos negócios, um comportamento parasita, e que não seria possível distribuir a partir delas. Além disso, o orçamento da publicidade mudou de tabela, em desfavor das publicações tradicionais. Isso levou a uma mudança significativa na maneira de oferecer conteúdo.

Quando chegou a Covid-19, no começo de 2020, as variáveis do fazer jornalismo oscilaram violentamente. A partir daí, além da necessidade de levar a audiência à condição de assinante, houve um chamado à resiliência das coisas próprias da reportagem. Máximas ao estilo “lugar de repórter é na rua”, que vinham perdendo força, tombam completamente. O desafio é manter o negócio, entregar uma cobertura com periodicidade, continuidade e plástica coerentes com os padrões da emissora, com praticamente tudo feito no home officedos jornalistas.

Em entrevista ao Orbis Media Review, a diretora de redação do grupo RPC, do Paraná, Luciana Marangoni, diz que “certamente é a cobertura mais desafiadora do jornalismo desde a invenção da televisão”. A rica discussão dos editores com repórteres em meio às baias da firma já não acontece. Aliás,as instalações estão isoladas e as equipes, divididas por cores, com contato físico restrito ao essencial do essencial, com trocas de turno marcadas pela assepsia de superfícies e equipamentos.

Redação familiar

Na vida digital, são estabelecidos contratos de convivência de muitas pontas ou, mais recentemente, discutem-se “campos de convivência”. A ideia passa pela permeabilidade das relações. “Já contamos histórias muito sensíveis, como a queda de um prédio em Guaratuba, ou os desmoronamentos e enchentes em Antonina e Morretes. Mas a Covid-19 tem a ver com nossas famílias, com riscos para a saúde de todos”, anota Luciana. Antes, o ofício de jornalista  bem que poderia ficar da porta do lar para fora, mas agora não.

A editora-chefe do jornal e do portal Bem Paraná, Josianne Ritz, sente falta do fuzuê da redação. “Estou bem adaptada. O que era ruim no começo não é mais. Eu me sinto segura. E, assim, não montei espaço especial, para manter o clima de fuzuê. Fico na sala, com todos”.

Nos veículos editados por Josianne, a produção aumentou desde as medidas de isolamento, resultado que também é consequência, para ela, do tempo de casa dos profissionais. “Eu temia que a parte do fechamento do impresso, por causa da diagramação, poderia complicar [pelo trabalho on-line]. Mas estamos fechando até mais cedo. O entrosamento é meio atípico, porque trabalhamos há muito tempo juntos. A maioria [está] há mais de 20 anos”, registra.

Questões da vida não deixaram de existir

O G1 Paraná foi a primeira extensão do portal da TV Globo em uma afiliada. Em fevereiro, fez aniversário de dez anos, com a marca de mais de um bilhão de pageviews. A editora-executiva Bibiana Dionísio, que está lá desde o primeiro dia de operação, organizou um escritório na sala de casa. “Entendi que a vida continua, que é preciso cuidar da alimentação, dos exercícios, da cabeça. Esta é a realidade do mundo agora, e o que eu posso fazer? Cuidar da minha família, trabalhar, claro, mas eu me matriculei em um curso de comunicação e marketing da USP, para aprender coisas novas”.

Segundo Bibiana, a necessidade por notícias cresceu por ocasião da praga, mas também porque o G1 ganhou relevância e protagonismo. “Todos os dias fazemos o exercício de eleger prioridades. Tal notícia é melhor que a outra? Quando decidimos por temas que fogem da tragédia, temos boa resposta da audiência. É um jeito de colaborar com outros aspectos da vida as pessoas”.

Quando a pandemia começou, a bebê de Bibiana, Luísa, tinha um ano e três meses. “A força vem de maneira esparsa. Tem semanas em que é possível imprimir um ritmo satisfatório, que as coisas andam mais leves. Mas há também momentos de esgotamento físico e emocional”. Luísa requer uma lista de acompanhamentos especializados, como fisioterapia, terapia ocupacional e fonoaudiologia, “e isso é vivido junto com o trabalho, com as questões da família, da vida, que não deixaram de existir”.

Em um ano de medidas extremas, não houve um contágio sequer a partir da sede da RPC.

Longe de ser simples ou fácil, a resiliência no exercício do jornalismo durante a pandemia tornou-se uma forma de sobrevivência.

IA e objetivos globais

Leia insights sobre a interação de humanos com modelos de linguagem de IA, e sobre os ODS no Brasil. Lab Educação 2050 Ltda, que mantém este site, é signatária do Pacto Global das Nações Unidas.

Transformação digital jornalística

Redações inovam no home office, garantindo produção de notícias.

ODS 8: trabalho digno e inclusivo

A adoção de novas plataformas impulsiona oportunidades e segurança no trabalho.

“AI is not replacing lawyers—it's empowering them. By automating the mundane, enhancing the complex, and democratizing access, AI is paving the way for a legal system that’s faster, fairer, and more future-ready.”

Micheal Sterling
CEO - Founder @ Echo

Improving Access to Justice

The integration of AI into the legal industry is still in its early stages, but the potential is immense. As AI technology continues to evolve. We can expect even more advanced applications, such as:

Law Solutions

Accessible to individuals and small businesses.

Chatbots

Bridging gap by providing affordable solutions.

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Gestores mais velhos em restaurantes são mais avessos ao risco, aponta estudo

Pesquisa da UFSC revela que experiência prolongada influencia gestores a optarem por medidas conservadoras.

Tempo previsto
23/4/2025

Um estudo recente publicado na Revista Turismo, Visão e Ação (RTVA) revelou que gestores mais velhos e com maior tempo de serviço em restaurantes tendem a ser mais avessos ao risco em suas decisões corporativas. A pesquisa, conduzida por pesquisadores da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), analisou dados de mais de 2 mil restaurantes na Europa entre 2014 e 2016.

A pesquisa, intitulada "Influência das Características da Equipe de Gestão sobre a Tomada de Decisão de Risco: Evidências do Ramo de Restaurantes", utilizou a base de dados Amadeus e aplicou o método dos mínimos quadrados para analisar a relação entre as características dos gestores – idade, tempo de serviço, gênero e tamanho da equipe – e o nível de alavancagem financeira das empresas, usado como indicador de tomada de risco.

Os resultados mostraram uma correlação negativa significativa entre a idade e o tempo de serviço dos gestores e a propensão ao risco. Gestores mais velhos e aqueles que ocupavam o mesmo cargo há mais tempo demonstraram preferência por decisões mais conservadoras, optando por manter o status quo em vez de adotar estratégias inovadoras ou arriscadas.

Contrariando algumas expectativas, o estudo não encontrou relação significativa entre o tamanho da equipe de gestão ou a participação feminina e a tomada de risco. Embora pesquisas anteriores tenham sugerido uma possível influência desses fatores, os dados analisados não confirmaram essa hipótese no contexto específico da indústria de restaurantes.

Os autores sugerem que a aversão ao risco demonstrada por gestores mais experientes pode estar relacionada à priorização da estabilidade e da reputação construída ao longo da carreira. A familiaridade com o setor e a preocupação em preservar os ganhos obtidos podem levá-los a evitar decisões que representem potenciais ameaças ao negócio.

Implicações para o setor

As descobertas do estudo têm implicações importantes para a gestão de restaurantes. A pesquisa sugere que a composição da equipe gestora pode influenciar diretamente a estratégia e o desempenho das empresas. Restaurantes com gestores mais jovens podem estar mais dispostos a inovar e assumir riscos, enquanto aqueles liderados por gestores mais experientes podem priorizar a estabilidade e a segurança financeira.

Próximos passos

Os pesquisadores destacam a necessidade de estudos adicionais para aprofundar a compreensão da relação entre as características dos gestores e a tomada de decisão em restaurantes. A investigação de fatores psicológicos, como a tolerância ao risco individual, e a análise de dados de um período mais amplo poderiam enriquecer a discussão e fornecer insights mais precisos para o setor.

Suítes no jornalismo se relacionam com queda da confiança

Ausência de atualizações e de contexto em notícias contínuas afeta credibilidade e confiança dos leitores.

Tempo previsto
11/4/2025

Uma suíte jornalística é a continuidade de uma notícia em novas matérias que atualizam as anteriores. Algo como "Duas pessoas ficaram feridas em um acidente"; depois, "Homens que ficaram feridos em acidente fazem cirurgia"; ainda, "Homens que se feriram em acidente recebem alta"; e, ainda, "Empresa responsável por acidente com feridos é multada". Todas essas manchetes fantasiosas têm a ver com um mesmo fato originário.

Não é todo tipo de notícia que merece uma continuidade. Alguns acontecimentos e realizações têm fôlego para uma única aparição. Seja como for, para estar uma ou várias vezes no jornal, a "coisa" tem de ser verdadeiramente uma notícia, o que, basicamente, significa que não é publicidade ou propaganda – mas isso é assunto para outra oportunidade.

Em termos de formato, uma suíte não é nada diferente de uma notícia nova. Até porque só se tem uma continuação quando um novo fato é revelado. Mas é no estilo, pelo que notei, que a marmita das suítes azedou – no sentido de por que perderam o fôlego nos últimos anos.

Vamos tomar por exemplo uma investigação policial. O jornalismo de boa e de má qualidade têm interesse em pautas criminais. Porém, nos dois tipos de qualidade fica um sabor de vício, quem sabe originário do prazer de se "furar" (quando um jornalista é o primeiro em noticiar algo). É uma pressa que mais atrapalha que ajuda: não raro, são apresentadas versões que colaboram com uma história que se quer contar, que pode não ter nada a ver com o que aconteceu de verdade.

Contar toda a história

No caso de Homem armado ameaça jovem negro em SP, e policial se recusa a agir por estar 'de folga'; veja vídeo, por exemplo. É uma história que rapidamente conquistou a atenção dos jornalistas e do público, porque um vídeo comprova não somente a omissão de uma policial como também a agressão dela contra um jovem. Aqui, não está em discussão se a policial acertou ou errou. Ao mesmo tempo, faltou, pela ausência de suítes, a ampliação do contexto do vídeo de três minutos.

Uma história contada por sua característica intrigante pode render minutos de audiência, e um aumento de visitantes no site. Porém, sem continuidade, é um tiro no pé. Em 2023, o Digital News Report do Reuters Institute identificou que a confiança dos brasileiros no jornalismo é de 43%, uma diminuição de 19 pontos percentuais desde 2015. Estatisticamente, a tendência de queda pode marcar 41% em 2024. Nesse cenário, todos os recursos de inteligência e de integridade são bem-vindos para melhorar esses números.

As suítes são uma oportunidade para garantir ao público que as escolhas de pauta representam, ainda que contramajoritariamente, o compromisso do veículo com uma história contada do começo ao fim, com todas as nuances. Para isso, a linha editorial como um todo, e mais ainda os repórteres e editores, têm de encarar a atividade investigativa com o desprendimento de contar as coisas como elas são, e não como deveriam ser.