Camadas do contrato em AT revelam acordos ocultos e fortalecem a autonomia

A busca por transformação, seja no âmbito pessoal ou organizacional, se apoia, em última análise, na clareza de um pacto. Na Análise Transacional, o conceito de contrato transcende a formalidade para se tornar o instrumento fundamental da autonomia, um acordo explícito que nos permite reescrever o roteiro de nossas próprias vidas.

Uma reflexão sobre a Análise Transacional (AT) conduz-nos, invariavelmente, ao seu conceito mais elementar e ao mesmo tempo mais profundo: o contrato. Se existe uma maneira de resumir a essência desta teoria da personalidade e método psicoterapêutico, a questão contratual emerge como sua espinha dorsal. Ele constitui a base da relação para que todos os seus aspectos se tornem claros, quer estejamos no contexto de um processo analítico, de uma consultoria empresarial ou de um simples acordo pessoal. Contudo, é preciso que desfaçamos um equívoco comum. No contexto da AT, o contrato é outra coisa. Ele não se assemelha a um contrato de aluguel, com suas cláusulas rígidas e de difícil revisão, nem a um estatuto social, que demanda complexas assembleias para sua alteração. Sua natureza é dinâmica, funcional e, acima de tudo, a serviço da mudança. Ele é a primeira manifestação concreta da nossa vontade de tomar as rédeas do próprio destino.

Atributos essenciais de um pacto para a transformação

A eficácia de um contrato como motor de transformação depende de três qualidades intrínsecas, pilares que sustentam a sua viabilidade e o seu potencial de sucesso.

A primeira dessas qualidades é que ele deve ser gerenciável. Isso implica que, diante da realidade concreta, deve haver a possibilidade de revisitarmos e alterarmos o acordo. O contrato deve corresponder a como as coisas são, e não a como uma fantasia idealizada dita que elas deveriam ser. Um exemplo simples ilustra este ponto: o plano de frequentar a academia. Se um contrato inicial estabelece a meta de três idas semanais, mas a realidade da nossa rotina permite apenas uma, a abordagem da AT não se concentra na frustração ou no fracasso. Em vez disso, ela nos promove a revisar o contrato para uma meta que seja, de fato, alcançável. Ajustar o acordo para uma ida semanal transforma a experiência de uma falha recorrente em um sucesso passível de celebração. Tal flexibilidade é um ato de realismo do Estado do Eu Adulto, que se recusa a ser paralisado pelas exigências de um ideal inatingível.

O segundo pilar é a mensurabilidade. Metas vagas, como "ser mais feliz" ou "melhorar a comunicação", são abstrações que dificultam a ação concreta e a avaliação do progresso. É imperativo que saibamos exatamente o que queremos e, principalmente, como saberemos que o objetivo foi alcançado. Um contrato eficaz traduz o etéreo em algo concreto e observável. A pergunta "quantas vezes fomos à academia nesta semana?" tem uma resposta clara e objetiva. A tarefa de consertar um eletrodoméstico tem seu sucesso medido pela obtenção do código de rastreio do envio para a assistência técnica. Essa concretude é vital. Conforme aponta a obra seminal de Eric Berne,  O que você diz depois de dizer olá?, o objetivo final do trabalho analítico não é um mero "contrato de progresso", mas um "contrato de cura", que pressupõe a libertação do indivíduo de seu roteiro de vida. Uma cura, para ser validada, precisa ser observável. A mensurabilidade é o que confere tangibilidade a essa cura, tornando-a evidente tanto para o analisando quanto para o analista.

Por fim, o contrato deve ser estimulante. Ninguém executa tarefas que, no fundo, não deseja. A força de vontade é um recurso limitado; a motivação intrínseca, por outro lado, é uma fonte de energia renovável. A existência de uma recompensa clara no horizonte amplifica o nosso comprometimento. A pergunta que podemos nos fazer é: "quando nós realmente conseguirmos o que desejamos, como vamos nos recompensar por isso?". A observação analítica demonstra que contratos que incluem uma recompensa clara, definida por nós mesmos, concentram uma taxa de sucesso exponencialmente maior. Essa recompensa funciona como um reforço positivo do Estado do Eu Pai Nutritivo para o Estado do Eu Criança, que valida o esforço e incentiva a continuidade do processo.

As camadas de profundidade do acordo humano

Para além de seus atributos essenciais, a estrutura do contrato pode ser compreendida em três níveis de profundidade, que organizam a interação humana desde a logística mais pragmática até as complexas e, muitas vezes, invisíveis dinâmicas psicológicas.

A primeira camada, a mais externa, é a administrativa. Ela responde às questões práticas que estruturam qualquer interação: o quê, quem, como, quando, onde e por quê. Em um workshop, por exemplo, esta camada define o horário, o custo, o local, o facilitador e até mesmo a responsabilidade pelo lanche do intervalo. No setting analítico, ela estabelece a frequência e duração das sessões, os honorários e as políticas de cancelamento. A clareza administrativa é fundamental, pois previne mal-entendidos e cria um ambiente seguro e previsível, um container no qual o trabalho mais profundo pode se desenvolver sem ruídos ou ambiguidades.

A seguir, aprofundamos para a camada profissional, que trata de um elemento central: a competência. Cada parte envolvida no contrato deve possuir a habilidade, a qualificação e a autoridade necessárias para cumprir sua função. Quando esse aspecto não é observado, abre-se a porta para inúmeros conflitos. Pedir a alguém sem a formação adequada que execute uma tarefa complexa é uma receita para a frustração e o fracasso. A obra de Eric Berne Estrutura e dinâmica das organizações e dos grupos oferece uma análise precisa dessa camada. Nela, Berne descreve o "contrato constitucional", que regula os papéis e a autoridade dentro da estrutura de um grupo, e o "contrato social", que governa as normas de respeito e etiqueta da interação. Um conflito, como o do exemplo citado por Berne de uma assistente social que sente seus direitos revogados por um superior, representa uma infração direta a esse pacto profissional e social, o que mina a confiança e a eficácia do grupo.

Por fim, alcançamos a camada final e mais desafiadora: a psicológica. Ela diz respeito à nossa capacidade de tratar situações semelhantes com equidade, independentemente do nosso envolvimento emocional ou de nossas projeções. Costumamos ilustrar este ponto com uma situação comum: nós tendemos a incentivar um desconhecido que busca emprego, com palavras de otimismo e apoio. No entanto, quando um familiar próximo se encontra na mesma situação, a nossa reação pode ser de crítica, impaciência e uma enxurrada de conselhos não solicitados. Essa diferença de postura revela a ausência de distanciamento psicológico e a presença de acordos não ditos, que operam sob a superfície da consciência.

É neste nível que atuam os jogos psicológicos e os roteiros de vida que sabotam nossas melhores intenções. A publicação Análise transacional em psicoterapia ilumina esse território ao diferenciar o "contrato manifesto" (o acordo explícito e consciente) do "contrato encoberto" (o pacto ulterior e inconsciente). Um contrato de casamento, por exemplo, é um acordo manifesto de união e parceria. Contudo, ele pode esconder um contrato psicológico encoberto, como no jogo da "mulher frígida" descrito por Berne, cujo pacto implícito sinaliza: "não leve a sério minhas promessas de intimidade, pois minha verdadeira recompensa é provar que os homens são todos iguais". O trabalho analítico consiste, em grande parte, em trazer esses contratos ocultos para a consciência do nosso Estado do Eu Adulto, para que a dissonância entre o que se diz e o que se faz possa ser finalmente confrontada e resolvida. O papel do analista é fornecer, por meio de uma análise competente, a permissão para que o analisando possa desobedecer às diretivas internas que o aprisionam, não por um ato de rebeldia infantil, mas por uma escolha autônoma.

O contrato, em sua concepção transacional, revela-se, assim, uma ferramenta de extraordinária versatilidade e poder. Ele é a arquitetura da mudança. Ele estrutura a busca pela cura, seja na vida pessoal, na dinâmica de um casal ou na eficácia de uma organização. A maestria desse instrumento não nos promete resultados garantidos, mas nos oferece um caminho claro para a consciência, a responsabilidade e, em última instância, para a reescrita dos roteiros que já não nos servem. Ele é a assinatura de um pacto com a nossa própria autonomia.

Caderno de exercícios

Pedir ajuda
☁️ Salvamento automático
Info gravada!
Thank you! Your submission has been received!
Oops! Something went wrong while submitting the form.