Apresentação da versão clássica dos Estados do Eu consolida base de Berne

Uma compreensão adequada dos Estados do Eu é absolutamente essencial para o desenvolvimento de qualquer trabalho analítico transacional. A teoria não pode ser desassociada deles, pois é através da análise dessa estrutura e de suas funções que se realiza praticamente todo o trabalho que resulta em mudança para o indivíduo. E nesta estrutura reside um belo paradoxo: uma simplicidade aparente que revela uma profunda e sofisticada complexidade.

Quando apresentados em um curso inicial como o AT 101, os Estados do Eu parecem simples e fáceis de serem compreendidos e aplicados. E essa, de fato, é a realidade deles em um primeiro nível. O conjunto de pensamentos, sentimentos e comportamentos que caracteriza cada Estado do Eu é, por concepção, fácil de identificar. A teoria foi deliberadamente escrita para que até mesmo uma criança possa compreendê-la. Contudo, é preciso que deixemos marcado que há uma complexidade enorme até essa simplificação, o que aponta para uma sofisticação muito bonita na teoria como um todo.

Neste artigo, propomos apresentar os Estados do Eu de acordo com a base clássica criada por Eric Berne. Embora essa base já tenha sido aprimorada com os anos, este ponto de partida é importante para que possamos compreender que os fundamentos dessa teoria são sólidos o suficiente para sua manutenção até hoje. Conforme aponta a obra O que você diz depois de dizer olá?, para se apreciar o que se segue na Análise Transacional (AT) é necessário compreender primeiramente seus princípios, sendo a análise estrutural — o estudo dos Estados do Eu — o primeiro passo indispensável.

A teoria da personalidade da AT é baseada na premissa de que cada ser humano apresenta três tipos de Estados do Eu, que são definidos como "sistemas coerentes de pensamento e sentimento manifestados por padrões de comportamento correspondentes". São realidades psicológicas. O diagrama da personalidade completa de qualquer ser humano é, portanto, representado por três círculos que abrigam o Pai, o Adulto e a Criança. Prendamos uma nomenclatura rigorosa da AT: os Estados do Eu são sempre denominados com letras maiúsculas (Pai, Adulto, Criança), enquanto as palavras com letras minúsculas (pai, adulto, criança) se referem a pessoas reais.

Versão clássica dos Estados do Eu. BERNE, E. What Do You Say After You Say Hello?: The Psychology of Human Destiny. New York: Grove Press, 1972.

O primeiro tipo, o Estado do Eu Pai (P), é aquele derivado de nossas figuras parentais. Nesse estado, sentimos, agimos, falamos e reagimos como um de nossos progenitores fazia quando éramos pequenos. É um estado ativo, por exemplo, na educação de nossos próprios filhos. Mesmo quando não estamos exteriorizando ativamente o Pai, seu comportamento nos influencia na forma de uma influência parental, que desempenha as funções de uma consciência. Uma análise mais detalhada revela que, funcionalmente, o Pai se manifesta de duas maneiras principais: como Pai Crítico (ou Controlador, ou Estruturante), que estabelece limites e julgamentos, e como Pai Natural (ou Protetor, ou Nutridor), que oferece cuidado, permissão e segurança.

O segundo é o Estado do Eu Adulto (A). Nele, a pessoa analisa seu meio ambiente objetivamente, calcula suas possibilidades e probabilidades com base em experiências passadas. O Adulto funciona como um computador, processa dados da realidade presente, do Pai e da Criança, e toma decisões lógicas e racionais. Ele não é guiado pela emoção ou por preceitos arcaicos, mas pela avaliação objetiva do aqui-e-agora.

Finalmente, temos o Estado do Eu Criança (C), que representa um menininho ou uma menininha que sente, pensa, age, fala e reage de forma semelhante à que fazíamos quando éramos crianças, geralmente em uma faixa etária entre dois e cinco anos. Em O que você diz depois de dizer olá?, Berne nos adverte que é importante que o indivíduo entenda sua Criança, não só porque ela o acompanhará por toda a vida, mas também por ser "a parte mais valiosa da sua personalidade". É o centro da espontaneidade, da criatividade, da intuição e da alegria.

Neste ponto, a teoria nos impõe um rigor conceitual: é imperativo evitar termos Parentais ao descrever o Estado do Eu Criança. Palavras como infantil ou imaturo são julgamentos do Pai. A descrição correta é semelhante a uma criança (child-like), o que denota uma qualidade, não uma falha. Funcionalmente, a Criança também se subdivide: a Criança Adaptada é aquela que segue as diretivas parentais para se ajustar ao mundo, enquanto a Criança Natural é autônoma, espontânea e livre. Uma variação da Criança Adaptada é a Criança Rebelde, que se opõe sistematicamente às diretivas parentais.

A aparente simplicidade desse modelo de três círculos, no entanto, esconde camadas mais profundas. A chamada análise de segunda ordem não produz novos Estados do Eu, mas revela subdivisões dentro dos estados básicos. Um estudo cuidadoso, como Berne aponta, revela que o Estado do Eu Pai possui dois componentes principais: um oriundo do pai real e outro da mãe real. Mais fascinante ainda é a descoberta de que o próprio Estado do Eu Criança, quando de sua fixação, já continha em si os componentes rudimentares de um Pai, um Adulto e uma Criança (o chamado Pequeno Professor). Isso demonstra a recursividade e a elegância de uma teoria que, em sua simplicidade, consegue mapear a complexidade da formação da personalidade humana.

Retornamos, assim, ao paradoxo inicial. Os Estados do Eu são, de fato, um modelo acessível, projetado para ser uma ferramenta prática e de fácil aplicação. Contudo, essa acessibilidade não diminui sua profundidade. Ela é, ao contrário, o resultado de uma sofisticada abstração que condensa anos de observação clínica em um diagrama funcional. A compreensão dessa estrutura não é um fim em si mesma, mas o alicerce sobre o qual todo o edifício da Análise Transacional é construído. É o mapa que nos permite navegar as transações, identificar os jogos psicológicos e, finalmente, analisar e redecidir sobre os roteiros que governam nossas vidas. A base clássica, com sua solidez e rigor, permanece como o ponto de partida indispensável para qualquer jornada em direção à autonomia.

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