Teoria espelha a vida e desafia imunidade emocional do analista na prática

Uma das perguntas que pode render desde uma conversa informal até uma profunda discussão filosófica é: o que, efetivamente, faz um analista? Essa questão não se dirige ao seu ofício diário, mas àquilo que o constitui, o que forma e converte um indivíduo em um analista. O papel, como todos os comportamentos humanos, exerce um poder flutuante, mas a sua essência não reside em certificados ou horas de estudo, e sim em algo muito mais fundamental e elusivo.

O mundo da vida (como Habermas e nós chamamos a vida real) de um analista confronta, às vezes comicamente, os enunciados de seus conhecimentos. Tal qual na emblemática cena do cinema do filme Festa em Família (feito do movimento Dogma 95 de realidade cinematrográfica), de 1998. Nela, a personagem que estuda antropologia, Helene, viaja para a festa de aniversário de seu pai. No caminho, ela demonstra uma autonomia e uma centralidade que podem ser atribuídas à sua prática antropológica. Contudo, quando chega à festa e reencontra os pais as histórias de família, ela se descontrola a ponto de gritar. É uma lição implacável. Não se trata de estudar análise ou antropologia para obter uma despedida da condição humana. Estudar esses assuntos analíticos, seja a Análise Transacional ou qualquer outra abordagem, é uma tentativa de compreensão, um trabalho para obter alguma compreensão da dor sentida todos os dias, não para se tornar imune a ela.

Ainda que a literatura de Análise Transacional (AT) reforce com intensidade a ideia de que uma cura é possível, é preciso que cheguemos rapidamente à conclusão de que essas curas não são abrangentes o suficiente para extinguir no indivíduo os seus encontros com o desconforto e o sofrimento. A proposta de uma realidade interferida por novo conhecimento é o que faz do curso introdutório da AT, o "AT 101", uma proposta rebelde em meio a tantos convites e proposições de ações salvadoras. Nele, não se promete que um conteúdo textual, de maneira automática e sem esforço, possa trazer alívio para a vida de um participante. A proposta em AT 101 é de responsabilização. É um momento em que os participantes podem se perguntar de que maneira eles se implicam nas histórias que vivem.

Essa jornada de responsabilização e aprendizado é longa e profunda. A obra Análise Transacional em Psicoterapia, de Eric Berne, sugere que, embora os princípios básicos possam ser assimilados em poucas semanas, é necessário "pelo menos um ano de seminários semanais, com prática diária, para que se adquira o necessário tato clínico". Isso reforça a ideia de que o conhecimento é um pré-requisito, mas não o ponto de chegada. O objetivo é que o cliente esteja, em certo nível, "tão bem informado a respeito dos fatores específicos em estudo quanto um terapeuta aprendiz", o que transforma a análise em um pacto colaborativo de exploração, não em uma cura passiva.

A formação em Análise Transacional é consistente o suficiente para que possamos dedicar uma vida inteira a ela — à compreensão, à execução, ao aprimoramento da teoria. Somente na Associação Internacional de Análise Transacional (ITAA, sigla em inglês), fundada por Berne, existem membros de mais de 40 países, muitos dos quais mantêm suas participações ativas na comunidade analítica mesmo depois da aposentadoria. São riquíssimos os materiais encontrados em diversas partes do mundo sobre de que maneira a compreensão transacional diagrama as relações humanas.

Nesse corpo teórico, O Que Você Diz Depois de Dizer Olá?, também de Berne, acabou por ocupar o papel de obra fundadora, algo parecido com o que aconteceu com A interpretação dos sonhos de Sigmund Freud. Embora não seja, efetivamente, a primeira obra de Berne, ela trata de uma base original. Contudo, essa base, por si só, é insuficiente para sustentar a prática da Análise Transacional atualmente. De todo modo, permanece como uma leitura recomendada para quem realmente tem interesse em se envolver na compreensão transacional. Este livro, junto de outros, forma o arcabouço teórico. Como aponta a obra Os jogos da vida, a teoria necessária para a análise dos jogos, por exemplo, é apresentada de forma resumida, e o leitor que busca aprofundamento é remetido a outro volume, Análise Transacional em psicoterapia. Isso demonstra uma arquitetura de conhecimento progressiva, onde um entendimento inicial cria a demanda por um aprofundamento.

A própria definição de Análise Transacional, como uma "teoria da personalidade e de ação social, e um método clínico de psicoterapia", evidencia que o conhecimento é central. A obra Sexo eamor é categórica ao afirmar que o conhecimento da disciplina da Análise Transacional é "necessária para que se fique consciente dos próprios Estados do Eu". As pedras fundamentais — os Estados do Eu Pai, Adulto e Criança — precisam ser compreendidas para que possam ser identificadas em nós mesmos e nos outros. Sem esse guia, navegamos às cegas pelas nossas próprias transações.

No entanto, retornamos à pergunta que inicia este texto: o que constitui um analista? Certamente não é um certificado, tampouco são horas escolares ou de academia científica. Se todo o conhecimento de AT pudesse ser introjetado de maneira automática em um indivíduo, isso não o tornaria um analista. A personagem Helene, do filme, tinha o conhecimento, mas não a integração. A verdadeira formação, o que verdadeiramente forja um analista, é o contato um a um. É na relação, na troca viva e presente com o outro, que a teoria se torna sabedoria. De todas as contribuições de Berne, consideramos que a sua percepção sobre o que acontece nos grupos seja talvez a sua mais divina capacidade de compreensão. Ele entendeu que a psique se revela e se transforma na interação.

Portanto, o analista não é aquele que se livrou da condição humana, mas aquele que, munido de uma teoria robusta e de uma profunda autoanálise, ousa se aproximar dela, na sua própria vida e na vida do outro. É um ofício que não se conclui, uma formação que dura uma vida inteira.

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