Compaixão nasce ao reconhecer a falta e recusar a fantasia de completude
Ética civilizatória delimita o inaceitável e orienta a convivência possível entre diferentes.

Em nossa reflexão sobre as bases que sustentam as organizações humanas, deparamo-nos com uma teoria que propõe a existência de códigos afetivos fundamentais — entre eles, o paterno, o materno, o filial e o fraterno — como pilares estruturantes. Observamos, em particular, a função do código paterno, uma Lei simbólica que traz consigo a marca indelével da falta. E é precisamente esta falta, esta impossibilidade de completude, que nos humaniza. Se houvesse algo totalizante, se nos completássemos de forma integral, não haveria espaço para uma existência verdadeiramente humana. Se pudéssemos ter todo o prazer do mundo, não haveria conexão, mas apenas posse e propriedade; haveria caos e, em última instância, um tipo de morte existencial.
A presunção da perfeição talvez seja o mais narcisista dos posicionamentos. Observamos que boa parte das pessoas com as quais convivemos está sempre pronta a se defender através do julgamento. Entendemos o julgamento como uma forma sofisticada de defesa: ao julgar o outro, distraímo-nos de nossas próprias dores e agonias. As pessoas parecem disponíveis para se colocar em uma posição de distanciamento, protegendo-se de suas vulnerabilidades através de um afastamento que se torna inevitável. Contudo, acreditamos que a consciência de nossas dores e de nossa incompletude é o que permite a compaixão pela imperfeição alheia. É no reconhecimento da falta que podemos propiciar um encontro genuíno, uma aproximação que minimiza essas dores e diminui a intensidade da solidão.
A pergunta que emerge é: por que o que julgamos no outro nos ofende tanto? Por que selecionamos esse ou aquele comportamento para atacar? Não afastamos a possibilidade de o outro fazer o mal objetivamente, mas consideramos que a maior parte do que nos chama a atenção reside, também, dentro de nós. Durante muito tempo, pensamos que a ofensa causada pelo comportamento alheio estava enraizada em cicatrizes ou medos incutidos por figuras parentais, que nos ensinaram a julgar com contundência em vez de observar. O risco deste julgamento precipitado é grande: perdemos a oportunidade de conhecer e de expandir nosso quadro de referência, repetindo uma cantilena geracional. Se não estimularmos a faculdade de pensar e refletir, os nós emocionais formados em momentos sensíveis, como a puberdade, apenas se consolidam. O julgamento torna-se, assim, uma projeção de nossa briga interna; ao desistirmos de lutar contra nós mesmos, passamos a lutar contra os outros.
No entanto, é preciso ponderar sobre essa "matemática psicológica" que atribui todo o mal-estar causado pelo outro a algo que está dentro de nós. Embora seja uma etapa importante da autoconsciência, gostaríamos de acrescentar que nem sempre o que nos incomoda no outro se deve a motivos fúteis ou puramente projetivos. Por que nos aborrecemos, por exemplo, com genocídios ou injustiças flagrantes? Não porque tenhamos o desejo reprimido de cometer tais atos, mas porque existe uma construção moral, civilizatória e ética que nos indica que certos comportamentos são inapropriados e anticivilizatórios. Não podemos ficar reféns de uma causalidade imediata que nos igualaria, em algum nível, a tudo o que nos aborrece.
A obra de Massimo Recalcati, Il vuoto e il fuoco, oferece-nos uma perspectiva valiosa sobre a natureza da Lei simbólica, representada pelo pai. Esta Lei não se reduz a regulamentos escritos ou normas jurídicas; sua finalidade última é humanizar a vida, introduzindo o sentido do impossível, do "não-todo". É a Lei simbólica da castração que interdita não apenas o incesto, mas toda forma de gozo que pretenda uma totalização definitiva. Se o gozo do "tudo" se impusesse, teríamos uma degeneração totalitária da vida humana. A preservação do espaço do "não-todo" é o primeiro atributo de uma organização saudável, seja ela individual ou coletiva.
Por fim, embora saibamos que a completude absoluta é impossível e até indesejável — pois anularia a necessidade do outro —, não vemos razão para não satisfazer as incompletudes que são completáveis. Acreditamos no dever e no comprometimento com o desejo. Como nos lembra o psicanalista Christian Dunker, a pior covardia é desistir do desejo. Se há o anseio de realizar algo, é nossa obrigação nos encaminharmos para essa realização, mesmo que parcial. Desistir da busca por uma certa completude é, também, morrer em vida. O equilíbrio talvez resida em um movimento pendular constante: entre o reconhecimento de nossa falta estrutural, que nos conecta aos outros e nos humaniza, e a busca corajosa pela realização de nossos desejos possíveis, evitando tanto o egoísmo totalitário quanto a covardia da resignação. Uma organização — e uma vida — torna-se generativa quando a dimensão simbólica da Lei e a do desejo não se contrapõem, mas se integram de modo fértil.





