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Política

Novas considerações contemporâneas sobre a guerra e a morte

Reflexão propõe nova consciência histórica e sociológica para romper ciclos de violência religiosa e nacionalista.

Tempo previsto
11/4/2025

Nós poderíamos, com sobras de justificativa, passar o resto de nossas miseráveis vidas lamentando profundamente as guerras. Isso sequer pareceria inadequado. Qualquer ser humano que se incomode com assassinatos tem uma grande chance de ser uma pessoa decente, mesmo que seja ranzinza. Eu proponho ainda outra opção: deixar o papel de resignação para aqueles que se aposentaram do trabalho de criar o mundo.

É ingênuo pensar que a criação é uma tarefa concluída. Há quase tudo a ser feito, especialmente no que diz respeito à consolidação da paz entre os povos. Pode ser que este texto contenha mais ou menos elementos do que o necessário para uma sustentação clara. Então, antecipo-me e garanto que estou aberto a discuti-lo. Vou evitar referências e compartilhar apenas o que está vivo em mim.

O linchamento do inocente Jesus é, sem qualquer dúvida, uma prova de amor. É a partir desse ato fundador da paz que a roda da violência tem girado no vazio há dois milênios. Se havia, em nós, humanos, a necessidade de dilacerar um corpo para a execução de um rito de passagem, esse desejo foi realizado. Se a civilização ocidental está fundamentada nesse ato, e está, então podemos progredir para a consciência decorrente desse ato: “o que fizemos?”.

Tenho pouca ou nenhuma vontade, na verdade, nenhuma, de submeter minha razão às interpretações religiosas dos textos religiosos. Na minha concepção de Deus, sequer está na índole dele promover coisas pequenas ou privilegiar pequenos grupos. Com isso, espero ter explicitado minha conclusão de que, independentemente da vertente religiosa, se o sacrifício humano de Cristo está presente, então não podemos — sob nenhuma emenda — compactuar com o assassinato. É, aqui, uma questão mais sociológica e histórica que mística.

Abraão e seus dois filhos. Gerado por IA.

A cisão abraâmica entre judeus e islâmicos é também uma questão sociológica e histórica, embora não somente isso. Pai Abraão, o que foi que o senhor fez? Delegar completamente essa questão civilizatória aos domínios da religião é o mesmo que abdicar do progresso civilizatório como um todo. Cem por cento dos pontos de vista sobre a guerra fundamentados no transcendente individual são inválidos para uma solução de paz.

Para nós, cristãos, fumar o cachimbo deixou nossa boca torta. Foram tantos sermões e músicas com o nome Israel destinado a ocupar um certo tipo de origem de nossa fé que agora, quando um país com o mesmo nome está no centro de uma disputa geopolítica, somos tentados a solucionar a interpretação com base em promessas de nossa religião.

Se a Bíblia tem qualquer validade para católicos e protestantes, em especial, e tem, recomendo uma leitura atenta do livro de Hebreus — meu favorito tanto pela literatura de excelente qualidade quanto pela contribuição à fé. Basicamente, o texto trata do sistema humano de contenção da violência que fracassou miseravelmente e apresenta uma perspectiva de elevação espiritual pela qual todo sistema religioso se desfaz a partir de um sacrifício final. É quando o deus étnico, regional, dos israelenses do Velho Testamento coloca em prática seu plano universal. Com o deus étnico morrem também os métodos ineficazes de solucionar o sofrimento humano, substituídos pelo amor.

Essa questão deve ser observada quando se trata da constituição de uma interpretação brasileira para a guerra no Oriente Médio. A influência de nossas crenças religiosas sobre a esfera pública política ficou ainda mais notável nas duas últimas eleições presidenciais. Se quisermos avançar minimamente na pauta da paz, devemos ser hábeis para redirecionar nossas emoções individuais para compartimentos mais adequados. Nesse passo, aquilo que é da experiência inegável e transcendental deve ser submetido a uma prova de relevância: minha perspectiva acarreta assassinatos? Se sim, tal perspectiva deve ser acolhida, respeitada interiormente, mas desconsiderada para sustentação racional e pública. Não se dialoga com o assassinato. “Matarás?”. “Não matarás”. Assunto encerrado.

A culpa decorrente do assassinato, problema que tentamos solucionar pela submissão ao plano divino da graça e outros recursos civilizacionais, pode ser inexistente dependendo do contexto em que a morte ocorre. Nas guerras, o homicida está integrado a uma formação artificial de massa, ou seja, o exército. Nessa adesão ao exército, o indivíduo renuncia ao seu padrão moral individual, que é substituído pela moral do grupo. Nesse caso, ele poderá matar à vontade, sem que se pergunte por que diabos está fazendo aquilo. As massas são formações perigosas, e suas vantagens, como o folclore, são as mesmas que nada na comparação com seus danos.

Estamos impregnados de violência há pelo menos trinta e nove anos, desde que cheguei ao mundo. Para não perder a sensibilidade, comecei a contabilizar a morte pelo sistema métrico internacional. Em minhas contas, tivemos que enterrar cerca de noventa e oito toneladas de carne humana fornecida pelo Hamas ao mundo. Competitivo, Israel foi ainda mais generoso em seu banquete, servindo-nos 450 toneladas de cadáveres — muitos ainda insepultos. Soluções completas para o futuro da humanidade, que estavam nessas pessoas, foram reduzidas à depressão alastrante, quando o cérebro apaga a luz.

Vendedor no deserto. Gerado por IA.

As pedras do Passeio Público sabem que a origem nacionalista e religiosa da guerra rapidamente se transformou em um grande negócio. Agora, valem as regras do mercado. Jamais se tratou de uma Nações Unidas enfraquecida. É a habilidade de negociação dos povos que está enfraquecida, de modo que a diplomacia nos serve de índice. O patético veto dos Estados Unidos à Resolução do Brasil que previa ajuda humanitária, seguido pelo patético oferecimento de uma nova Resolução pelos mesmos Estados Unidos, levou ao veto da Rússia e da China. O embaixador israelense pediu a renúncia do secretário-geral da organização. Temos Estados Unidos e Israel conversando apenas entre eles, enquanto o resto do mundo espera atônito.

A constituição básica de uma esfera pública se dá por pessoas privadas que discutem com base em razões. A rebeldia não é uma razão. A submissão não é uma razão. A intuição não é uma razão. O impulso não é uma razão. É cedo para estimar uma data, mas não para afirmar que, diante de uma derrota tão humilhante, a diplomacia mundial terá que evoluir suas práticas comunicacionais e deliberativas. Teremos que elevar nomes acima de nós que traduzam nossa confiança na resolução de problemas — líderes inteligentes, éticos e, sobretudo, criativos em suas proposições.

Israel tem o direito de se defender? Não, tem o dever. O Hamas é um docinho de coco? Não parece diferente de uma milícia carioca, exceto pelo planejamento, pelas armas melhores e por uma mágoa ancestral. São instituições equivalentes? No que diz respeito à constituição formal, não. Mas no caráter decrépito de assassinar, seus resultados não são diferentes, exceto pela quantidade jorrada de sangue.

A história registra que os judeus foram objeto de ódio irresponsável perpetrado por inúmeras instituições. Esse ódio se manifestou de diferentes maneiras. Embora tenha atingido seu ápice no Holocausto, desenvolveu-se de maneiras mais sofisticadas — por que não dizer civilizadas — sem perder sua característica de ódio. A criação de um estado para esse povo, longe de ser um mero beneplácito da comunidade internacional, não esconde o verdadeiro propósito dos países de manterem os judeus afastados de seus territórios.

Mulheres em Auschwitz. Polônia, 1945.

Sob a perspectiva da filosofia contemporânea, o que se compreende como luta por reconhecimento termina, de maneira lamentável, no judeu. Os extermínios dirigidos a pretos, estrangeiros desinibidos e toda sorte de gente não submetida, simbolicamente, se destinariam ao judeu. Essa interpretação é compartilhada por autores que chegaram a ela de maneira independente. O judeu da Bíblia, do Holocausto e da comédia, porém, não é a autoridade israelense contemporânea. Tal autoridade não é uma unanimidade nem mesmo entre os próprios israelenses, quanto mais na comunidade internacional. Além disso, o israelense nascido no Israel de hoje sequer é necessariamente judeu.

Se temos a liberdade de questionar o conteúdo histórico do Pentateuco e de outros compêndios judeus, e temos, podemos chegar rapidamente à constatação de que suas abordagens favorecem de forma desproporcional um povo messiânico que se autodenomina escolhido por Deus para governar sobre seus irmãos. Em linhas gerais e específicas, um judeu fundamentalista, à semelhança do fundamentalista islâmico, acredita ter licença para fazer o que quiser, pois Deus não somente o autoriza, como o ordena. Toda a obra salvífica que se consolida, para os cristãos, na morte de Cristo não tem nenhuma validade para esses fundamentalistas, então, para eles, a roda da violência gira em seu umbigo especial. Se não devemos constranger a crença religiosa do outro, e não devemos, mas essa crença transgride o código civilizatório, então poderíamos contar com a adesão do outro à discussão do código civilizatório, pelo menos.

O governo atual de Israel tem a aparência de um estado: tem um primeiro-ministro, eleições, mas suas ações demonstram que não se trata de um estado democrático suficientemente desenvolvido em relação às suas interações com o mundo. Isso se manifesta em uma recusa ao diálogo. É necessário observar os aspectos emocionais da relação entre Israel e o mundo. Ainda que as motivações intrinsecamente ligadas ao deus étnico e à prática de conquista de territórios ordenada por tal deus tenham sido superadas, restam os vestígios emocionais dessas experiências. É compreensível, embora lamentável, que o Israel atual esteja conectado à beligerância de seu passado histórico.

Quanto à Palestina, ela é o novo judeu — considerando a filosofia do reconhecimento mencionada anteriormente. Levada às últimas consequências, a ideia de que o abusado tem um enorme potencial para se tornar um abusador poderia se aplicar a um grupo, ou mesmo a um comportamento de massa. Daqui a dez anos, quando eu lembrar desta guerra, a menos que algo ainda pior me surpreenda, em minha mente haverá a imagem de uma mãe palestina que, aos gritos, reclamava que seus filhos estavam com fome quando foram assassinados. O povo palestino é subalternizado de muitas maneiras e por muitos interesses. As informações sobre esse povo, apresentadas neste artigo, estão disponíveis como anexo no canal do YouTube Outras Terras Filmes (http://outrasterras.com.br).

'Pela saúde' de quem, candidato novo rico?

Reflexão crítica sobre políticos e a situação da saúde pública: destaca o descaso dos candidatos com a realidade dos hospitais superlotados e a necessidade de focar nas necessidades dos mais vulneráveis, como os idosos negros em um pronto socorro no Paraná.

Tempo previsto
11/4/2025

Aos fatos, duros e inegociáveis como a força da natureza. A imagem é de um pronto socorro no interior do Paraná, tirada na última sexta-feira (2). Há 19 leitos — equipamentos e profissionais para 19 leitos —, porém mais de 70 pacientes dividem o espaço ocupado predominantemente por idosos negros. Uma das gestoras: “nessas condições, eles vivem menos”.

É quando tenho vontade de, ao ouvir candidatos “pela saúde”, jogar neles um tomate bem podre e um ovo bem podre. Fortemente, para machucar, bem na cara de pau dessa gente superficial e irresponsável. Sabem pouco ou nada da realidade objetiva de um sistema de saúde público.

Para a maior parte dos candidatos ao legislativo federal que tive conhecimento, especialmente, pobres não passam de incômodo. Outro gestor do hospital: “pacientes de planos de saúde reclamaram ao passar pelas alas do SUS”. Pobres doentes e machucados não combinam com novos ricos.

Aquela “gente” candidata acha que alcançou a elite do mundo ao comprar uma casa com arcos, um carro cafona, um celular que mascara a péssima qualidade da pele. Votemos bem, meus amigos, nos que recebem o pedido de São Pedro a São Paulo, descrito em Gálatas: “lembre dos pobres”.

O ex e o presidente representam nosso desejo de felicidade

Refletindo sobre Lula e Bolsonaro, autor sugere que escolhas políticas revelam desejo humano por felicidade.

Tempo previsto
11/4/2025

Penso na “realização da meta”, no alcance do objeto desejado, e de como a psicanálise sugere que isso jamais é de modo completo — o que não é necessariamente ruim. Mas. Penso também que Lula e Bolsonaro são realizações tangentes, próximas da ideia de algo. E qual é a ideia?

Minha intuição diz que, bem no fundo, às vezes demasiadamente e inservivelmente no fundo, no geral, todos queremos ser felizes. A política, como efeito da cultura, tem a serventia clara de nos proteger das forças da natureza: furacões, inundações, aridez da fome. Passou disso?

A parte mais curiosa, a “farsa” que sucede a “tragédia”, é que o incesto, o canibalismo e o homicídio sequer deveriam estar em debate fora das cabeças primitivas de cada um, tratados com os requintes das tecnologias em psicologia. Mas um político come o outro, e vai por aí.

Nos últimos anos, vivemos a inflação de culturas artificiais: “sertanejo, aquela coisa abjeta”, como define o pesquisador Bruno Nichols, esquerda e direita, progressista ou conservador. Balela! A mais pura balela!

Um dos tipos mais naturais, sábios e inteligentes sempre é o pacifista. É no cara “em cima do muro” que o futuro se constrói. É do que “cultiva as próprias lavandas”, como escreve a professora Stella Siqueira Campos, que haverá um amanhã. E haverá um amanhã depois de outubro, de novo, e de novo.

Fazei-me coçar de vontade de ser nacionalista, presidente

Artigo cobra postura firme de Bolsonaro frente à violência na Amazônia após mortes de Bruno Pereira e Dom Phillips.

Tempo previsto
11/4/2025

Os assassinatos de Bruno e Dom podem ser circunstanciais? Podem. As prisões podem ser uma farsa do crime organizado? Podem. Tudo “podem”, tem potencial de ser. Até o que o que a gente não gostaria. Mas não pode, presidente Bolsonaro, a gente infundir covardia no brasileiro.

Fiquei barbarizado — e veja que é preciso uma dose grande de barbárie para que eu me admire, sou um “pessimista sereno” — ao ouvir uma senhorinha que é tudo amor é serviço se questionar: “mas o que que [os mortos] tinham que fazer na Amazônia?”. O que primeiro, ovo ou galinha?

Entendo, da parte de amigos bolsonaristas (que são muitos e amigos de verdade) que o “brasileiro médio”, na interpretação deles, é o que pergunta essas coisas. Mas, presidente, o senhor não é um brasileiro médio. O senhor é o presidente da República. Por mais quatro anos?

Sou frequentemente cético dos rancores comuns contra o senhor — isso é fato. Eu não vos odeio, sequer tenho um motivo para isso (sou um jornalista analisado), mas me oponho a qualquer ação presidencial que não seja na direção de desfazer fechamentos com derramamento de sangue.

Não se pode culpar pesquisadores por pesquisar. Aliás, é “justo e necessário” que façam. Ainda não entendo por que o jornalismo (ainda que corroído de defeitos de ordem básica, de ordem lexical, de ordem sintática) não pode servir a um governo (mesmo assim).

As mortes desses caras me levam a um cenário em que as luzes se apagam, o silêncio se instala, e vêm um bando de amputados nos segurar a canela para decidir se seremos devorados pelas doenças deles. Os maus nos plantam verrugas horríveis na face.

Quem se oporá a uma brilhante investigação? Quem se oporá a uma rigorosa pena aos assassinos ou mandantes? Quem se oporá a um governo que desbarata a incivilidade da exploração humana? Quem se ofenderá por um “não!” ao mercado de almas?

Presidente Bolsonaro, temos nossas diferenças, porque sou muito pior que o senhor em praticamente qualquer assunto, mas vos convido a me dar prova governamental e social do que é uma “nação”, afinal de contas. Fazei-me coçar de vontade de ser nacionalista.

Confundir fé e Estado também é democracia, defende artigo

Artigo acadêmico questiona papel das igrejas na política e vê polarização religiosa como parte do processo democrático.

Tempo previsto
11/4/2025

“‘Um fantasma está atormentando o mundo — o populismo’. Os cientistas sociais Ghita Ionescu e Ernest Gellner notaram isso há 50 anos”. E, no ano passado, os pesquisadores Celso Gabatz e Rudolf von Sinner escreveram um artigo provocador que pergunta: afinal, quem é o povo?

Para os autores de “Populismo e o ‘povo’: precariedades e polarizações como desafio para os direitos humanos na perspectiva de uma teologia pública na contemporaneidade“, é difícil encontrar uma definição precisa quer para ‘povo’ quanto para ‘povo de Deus’.

Eles debatem sobre o papel das igrejas evangélicas que amalgamaram à fé uma certa percepção nacionalista que comunica: “se você não estiver conosco, então você é contra o Brasil”. No contrapeso, o texto tem uma visão otimista. Isso tudo ainda seria democracia.

Há de se respeitar o indivíduo

Artigo analisa importância do respeito mútuo e alerta sobre perigos dos jogos psicológicos nas discussões políticas.

Tempo previsto
14/4/2025

“Acredito que haja uma história no mundo, e somente uma. Os humanos são aprisionados – em suas vidas, pensamentos, fomes e ambições, em suas avareza e crueldade, e em suas bondade e generosidade também – em uma trama do bem e do mal. Não existe outra história. Um homem, depois de limpar a poeira e os fragmentos de sua vida, terá deixado apenas as perguntas duras e claras: foi bom ou foi mau? Eu me saí bem ou mal?”

“Por que nos metemos em jogos psicológicos?”, pergunta a análise. Ao que responde “para manter os quadros de referência”. Esmiuçemos, com outras palavras. O mal-estar que se pode sentir durante uma discussão sobre política é indício de que houve, para dizer o mínimo, uma triangulação nos papéis a que frequentemente recorremos para manter nossa visão de mundo: de herói, de vítima (a arte inclinará até a “submissão ao absurdo”), ou a que se vê favoritada, de “dizer a verdade na cara, doa a quem doer, eu falo mesmo!”. Jogou, perdeu. No jogo não há nenhum vencedor. Trazemos, porém, a notícia de que é possível se expressar, seja qual for o assunto, sem perder a paz. Ainda mais com a paz no preço que está.

Evidentemente, a filosofia, a comunicação política e a psicologia se fazem emergencialmente necessárias à mediação do conflito que se estabelece nas redes sociais digitais, nas conversas de corredor, ou, poxa, que inconveniente, nas refeições em família. Quando escrevemos sobre tal emergência, nos referimos a duas coisas: o reforço na prática da suspensão, para se tentar, pelo menos, entender o outro segundo o mapa dele (é uma das coisas que um terapeuta faz durante uma sessão); e também uma boa dose de remédios intelectuais contra o que não se pode superar pela razão.

Acontece que, embora tal razão remeta – que coincidência – a uma ideia de racionalidade, ou seja, de possibilidade de sustentação razoável, e que tal razoabilidade costume ter por gramática a ciência, ou seja, um sistema que se possa auditar, não é, e se poderia lamentar por isto, suficiente para cobrir uma parte significativa do eleitorado – o que pode nos incluir.

Achamos curioso quando nos dizem “o eleitorado pensa tal coisa”, como se pesquisas acadêmicas ou de intenções fossem suficientes para explicar coisas que hoje são uma grande bandeira do “Tio do Zap”, mas que amanhã, para esse mesmo querido Tio, valem menos que a água da louça. O que insinuamos é que existem coisas além dos algoritmos, coisas que são mais antigas que a linguagem, mais antigas que falar português.

Entender os outros, no sentido de combinar, ajustar as partes, é uma chave para a discussão política profícua. Dadas as temerárias condições das plataformas digitais nas quais ocorrem as conversas, a não radicalização seria um grande avanço.

Quando abrimos este artigo com o tema “jogos psicológicos”, é porque o resultado mal-estar é que se poderia evitar. E se poderia evitar da seguinte maneira: não vamos às relações com a intenção de nos proteger, e geralmente empregamos uma força descomunal para essa finalidade, mas para transitar para um estado de graça, de intimidade, que é o oposto de jogar psicologicamente, onde se pode ser quem é sem medo. É conhecer sem impor.

A estranheza que sentimos tem a ver com uma “visão de cima” ofegada pela altitude. Gosta de preto, de azul, de colorido? Pode se expressar, não tem problema. Independentemente de quem seja seu ou nosso favorito, ou de qual diretor de cinema é a obra relevante, não importa do que se trate, a dignidade do indivíduo é princípio basilar.

Não se deveria, por razões muito simples de reciprocidade, violentar o espaço do brasileiro contribuinte – que há anos faz piadas inoportunas, que eventualmente se excede no álcool, que tem no som da brasa da churrasqueira e no apito do celular a grande trilha do fim de semana – com acusações de menor ou maior inteligência, ou até o absurdo de tornarmos nossos antepassados deuses do extermínio.

Além do mais, há o trabalho. Isto é, há coisas a serem pensadas, resolvidas, implementadas. Há muito serviço a ser feito e, se o indivíduo não puder ser quem é, estamos perdidos. Daí é fechar a lojinha.

Eleições do Congresso são sinal da saúde da democracia

Eleições no Congresso trazem à tona limites e desafios para a democracia do país em cenário político polarizado.

Tempo previsto
11/4/2025

Discordo da opinião da Folha de S. Paulo que considera a eleição de Arthur Lira (PP-AL) para presidente da Câmara dos Deputados “retrocesso intolerável” (1º.fev.2021, A2, “Risco de servilismo“). Os legisladores escolherem tal presidente é, ao contrário, avanço dos limites que somos capazes de suportar na vida pública.

Para o contribuinte, que não teve nos impostos diminuição na proporção da escassez de serviços de saúde e das possibilidades de trabalho, resta votar nas eleições que compõem o Congresso.

Os movimentos sociais como compreendidos pelos estudos da comunicação política da Europa e dos Estados Unidos têm foco no legislativo. A glória desses movimentos é alcançar a legislação. Ou seja, a Câmara e o Senado seriam, pelo menos na teoria, o grande palco para as questões da vida cotidiana.

Não tem sido assim. O ódio coloca o Executivo no centro da atenção e imobiliza causas urgentes.

Atualmente, 16 requerimentos de comissões parlamentares de inquérito (CPI) tramitam na Câmara, três relativos a exploração sexual infantil, turismo sexual e tráfico de pessoas.

O deputado André Figueiredo (PDT-CE) propôs a criação de CPI “destinada a investigar a violação dos princípios constitucionais e do Estado Democrático de Direito, em razão da suposta articulação entre os Membros da Procuradoria da República no Paraná e o então Juiz Sergio Moro da 13ª Vara Federal de Curitiba, tornada pública pelo site The Intercept [sic]”. O último despacho vai fazer aniversário de um ano amanhã.

Que o Congresso se apequena ao presidido nas duas casas por desconhecidos — por reis do baixo clero — era de se esperar. Os deputados e senadores são do nível de Jair Bolsonaro.

A vida política vem ladeira abaixo, com pautas de costumes que lembram uma igreja evangélica pentecostal, mais pela disputa de cargos do que pelo comprimento da saia.

Dom Peruzzo: dias de ‘radicalização e injustiça’

Arcebispo de Curitiba critica radicalismo após protesto em igreja motivado por mortes trágicas no Rio de Janeiro.

Tempo previsto
11/4/2025

Manifestantes interromperam uma missa na Igreja do Rosário, no Largo da Ordem, em Curitiba. Foi neste último sábado (5), por volta das 17h. As informações são da Arquidiocese. O protesto foi motivado pelos assassinatos do atendente congolês Moïse Kabagambe e do repositor de mercado Durval Teófilo Filho. São dois homens pretos mortos cruelmente no estado do Rio de Janeiro —  o primeiro a pauladas e o segundo a tiros.

A ocasião na igreja foi registrada em vídeo e virou assunto do baixíssimo clero da Câmara de Vereadores da cidade. O parlamentar Eder Borges (PSD) editou uma fala própria que antecede as imagens do protesto. Ele fala, sobre o colega Renato Freitas (PT):

—Um bando de marginal, liderado por um vereador do PT de Curitiba, invadiu, hoje, a missa da Igreja da Ordem. (…) Vou entrar com processo no conselho de ética contra esse moleque, porque escarnecer a fé eu não vou aceitar (SIC, a “invasão” foi na Igreja do Rosário e não da Ordem).

Em entrevista ao Lab Jornalismo 2030, o arcebispo metropolitano de Curitiba, Dom José Antônio Peruzzo, respondeu que se planeja uma “celebração de desagravo”.

—Muitas vezes a Igreja do Rosário foi procurada por afrodescendentes católicos ou não. Ali estão histórias de muitos escravos, muitos deles sepultados. Sempre foram bem recebidos e respeitosos. No quadro atual, não acredito que o grupo tenha ido à igreja por razões religiosas, mas tomaram o argumento religioso e racial para politizar o local, a história e o evento.

Ainda para Dom Peruzzo, vivemos dias de “radicalização e injustiça. As mortes Moïse e Durval têm razões torpes, estúpidas. Todo assassinato é sempre um erro. Ao mesmo tempo, agredir e profanar uma igreja tem algo de insensato e de malevolência”.